Há uns anos, na cidade onde vivia, uma pessoa que amei deixou-me uma camisola no armário. Durante dias intermináveis, ela ficou-me nas mãos, no cheiro, como uma marca daquela pessoa que se tinha ido mas tinha ficado. Dobrada, desdobrada, na gaveta arrumada ou escondida entre livros, a camisola tinha a marca de um amor que dispensava a carne, que era só textura, mangas e lembranças de um tecido fino. E segui desta feita despido pelos meses que sobraram até ao reencontro da corpo com a camisola, como se o mundo tivesse encaixado novamente, as coisas no sítio delas.
Há uns dias, na cidade onde vivo, a pessoa que amo pediu-me para lhe dobrar a roupa. Peguei num vestido negro seu e pousei-o nas costas de uma cadeira. Outra vez a mesma sensação, uma roupa a reclamar um corpo, que nele andasse, se movesse, dançasse, enfim existisse. De repente na imobilidade do tecido descobri como as roupas podem ser essa prova funda de um sentimento não menos fundo. O vestido, silencioso, era a presença de uma ausência, contando-me, na sua impassibilidade, como a vida que habita aquele pedaço de coisa, que só existe como coisa faz parte da minha vida. A roupa pode dizer-nos que amamos e nós, vestidos desse mesmo sentimento, não podemos nunca dobrar roupa em vão.
Muito belo
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