sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Jantar de família



Era preciso que alguém fizesse o catálogo dos brilhos. A criança que brilha quando o pai chega a casa do trabalho, o jovem que brilha da cara quando lhe pedem uma opinião. Nem tudo o que o reluz é luz. De onde vem o brilho dos desarranjados pela vida, com uma excessiva humidade, palco do qual quem olha é quem desfolha o brilho imóvel do pavor? Ser apanhado num minuto de diamante e insanidade declarada. Brilho fosco e imóvel preso na máscara da loucura e das ervilhas. Um catálogo dos brilhos, como um projecto, talvez seja excesso de minúcia, até porque brilhos há que, estando à vista, denunciam a irremediável distância. Catalogar as estrelas, a loucura, os brilhos, tudo sobrecarregando as costas do verbo. Observar antes o brilho da tarde de um frio estúpido, ficar, reter, encher o brilho da neve para o brilho da córnea, dirigi-lo a 67.657 mais estes quilómetros, da boca que come para a boca que é um mobiliário antigo de dentes. É esse o irremediável brilho do que passa. Passou, incandescente.

1 comentário:

  1. Tão bom.

    "Brilho eterno de uma mente sem lembranças; Toda prece é ouvida, toda graça se alcança." Alexander Pope

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