quarta-feira, 22 de maio de 2019

"Past Perfect" de Jorge Jácome


Um dos elementos mais cativantes desta nova curta-metragem de Jorge Jácome é a forma delicada como gere a sua estrutura heterogénea. Baseada num peça de Pedro Penim, intitulada “Antes”, e adaptando um diálogo entre um psicanalista e um dinossauro, Past Perfect começa por ser um filme de natureza ensaística sobre esta ideia de que no passado era tudo melhor do que no presente. Sem personagens visíveis e em imagens tremeluzentes, desfocadas, duplicadas, o espaço surge-nos indefinido. Já o tempo é o de escavar e procurar por uma golden age, um “passado perfeito” que dê conteúdo a essa ânsia de olhar para o feito, o dito, o vivido, o filmado, como momentos de idílica completude. O diálogo mudo vai recuando ao longínquo ano de 2014, mas também ao início da 1ª Guerra Mundial, à reflexão de Benjamin sobre o progresso, à poesia de Schiller, etc.
A gestão de que falava acomoda esta dimensão ensaística e visualmente experimental, numa cadência que vai passando por diferentes estados: o sarcasmo, o drama existencial, a surpresa, os momentos de verdadeira/fake nostalgia, o apaziguamento vagamente romântico e doce acerca de uma ideia de fim com esqueletos aninhados para (quase) todo o sempre. Se recordarem o final de Flores (2017), curta premiada com o prémio novo talento na edição de 2017 do Indielisboa, ela terminava com um dos jovens filmados a dirigir-se à câmara e sentíamos uma certa reviravolta emocional que, de certa forma, unia com laço forte os momentos documentais, ficcionais, românticos que acabáramos de ver. Jácome revela semelhante talento em Past Perfect: a perfeita consciência do timing de comunicação emocional com espectador. Os planos a negro para pontuar o diálogo, a mudança de tempos, a pausa para a introdução do twist em torno de uma melodia bela e hipnotizadora, a filosofia da cultura abraçada ao karaoke, mesmo a forma como o efeito da cena final volta a laçar tudo num tom delico-doce. O que sentimos no cinema de Jácome é que uma vez “presos” nas suas imagens ficamos sujeitos às suas regras e isso é a maior liberdade que o espectador pode sentir diante de um artista que sabe o peso da responsabilidade. Nestes pouco mais de vinte minutos faz-nos caminhar pela terra, pelo início dos tempos, pelo osso, pela nostalgia, pela pura exaltação. It’s a cinematic party.

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