Um dos gestos que mais vem trabalhando Susana de Sousa Dias é o de problematizar e diversificar as formas pelas quais as imagens fixas de um arquivo podem ser negadas, acrescentadas, anotadas, ressuscitadas no seu movimento para um presente. E isto quer pelo trabalho sobre o som (vozes, comentários, mas não exclusivamente), quer pela modificação da imagem (os fades, as desacelerações). Nesta curta-metragem sobre Fordlândia, cidade criada pelo americano Henry Ford no centro da Amazónia, e hoje semi-abandonada, esse gesto de acordar o fantasma nas imagens torna-se explícito nos primeiros momentos. Visitamos aquele espaço, pela primeira vez, através dessa imobilidade, dessa cristalização-morte das fotografias de arquivo sobre a cidade à época, e é a aceleração, repetição e montagem ao tom de uma percussão dançante que Susana irá promover uma tentativa de dar vida, ressuscitar esse espaço. Sambar o arquivo, gesto audaz. Why not?
Poderíamos dizer que a essa “reanimação” sucede-se um filme acerca de uma comunidade fantasmática, planos de drone, calmos e apaziguados, um “western abandonado” em que as poucas pessoas vão passando, muito raramente, como formigas. Mas talvez interesse mais o mapa de um abandono, a genealogia de um “sonho que deu errado”, um duelo de aves que se cruza no céu. Uma das senhoras que ouvimos no filme diz: “você não vê ninguém, não tem um vivente (…) não tem um movimento para as pessoas se distraírem…”. Talvez este desabafo seja um bom comentário para olhar para esta bela obra de Susana de Sousa Dias. As pessoas ouvidas e nunca vistas (excepto numa adenda colorida), pelo seu movimento, nunca são distracções: ficamos a sós com o fantasma do espaço, com as casas, os espaços abertos, os caminhos pouco percorridos, as oficinas abandonadas. São estes espaços os habitat das narrativas míticas, de uma alma borboleta de passagem, de uma maldição, de uma câmara que se eleva, espreguiçando-se, ou de uma rádio que, misteriosamente, dá sinais de vida.
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