Bastava comparar as sinopses, e agora o visionamento da primeira longa de Ico Costa confirma-o: Alva estende a um formato maior e a uma outra densidade aqueles que eram os impulsos ficcionais presentes nas suas curtas, Quatro horas descalço (2012) e Antero (2014). Um ambiente de ruralidade, personagens solitárias em fuga ou em busca de justiça, uma relação de comunhão mas, ou mesmo tempo, de superação dos elementos da natureza. Estamos portanto num mundo de parcas palavras, câmara à mão, trémula ante o desafio de tais elementos, um mundo de chuva, fogo, névoa, de ribanceiras íngremes, caminhos de cabras, arbustos de bagas silvestres, lagos. Ico Costa apresenta-nos o seu Henrique (Henrique Bonacho), olheiras fundas e cigarros fortes e toscos. Um homem fugido de um acto que não sabemos bem as causas nem as consequências.
Baseado em algumas histórias verídicas (é impossível não pensar na história de Manuel Palito), com influência no cinema do argentino Lisandro Alonso e de uma técnica imersiva de algum do novo cinema romeno, Alva parece ir mostrando ao espectador um progressivo e crescente despojamento. Filmado em 16 mm, imagem granulosa, o mundo de Henrique parece ir perdendo peças/pessoas, assim como a narrativa, depois de construir momentos de tensão ao longo da sua travessia, questiona precisamente as razões de todo esta odisseia de isolamento e sobrevivência. Mas há um lado b em todo este fascínio com o isolamento e a natureza. O filme exprime-o bem, a possibilidade de um realizador ter a exclusividade de mostrar esse espaço de esconderijo e catacumba, através da sua câmara. É ele que o vê a fazer a barba de olhos fechados, por exemplo. Ninguém sabe de Henrique mas a câmara sabe sempre, nessoutra dimensão de comunhão. E aqui Alva talvez esteja até mais próximo dos documentários de Wang Bing e das personagens de Cassavetes. Só que aqui, ao contrário do que acontece com o cineasta americano, as palavras são já adereço descartável.
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