sexta-feira, 10 de maio de 2019

"A Casa e os Cães" de Madalena Fragoso e Margarida Meneses


A colocação desta longa com cabeça de média-metragem na secção Novíssimos permite pensar numa questão que valerá a pena reflectir. À partida, os filmes desta secção serão primeiras obras, em teoria, de jovens cineastas em busca de uma dada forma, de apuro de um certo olhar. Nesse sentido, A Casa e os Cães (2019), pela sua dimensão de experimentação – seja com a textura e a luminosidade das imagens, pelo split screen, pela moldagem da noção de plano, as diferentes câmaras, telemóveis e webcams, os registos no interior e no exterior, as notas escritas no ecrã, etc., etc. – acaba por funcionar dessa maneira. Como se o espaço da casa, que durante cinco anos aqueles jovens partilharam, e os seus três cães funcionassem como pólos gravitacionais de atracção para as suas imagens, como forma de dar direcção ao grande caudal dos registos que iam fazendo ao longo do tempo. Talvez uma leitura apressada possa ver no filme uma certa dimensão informe, um frankenstein de momentos sem grande coesão. Contudo, como se reflecte a dada altura, pode dar-se o caso de a vida ser apenas isso: uma soma de momentos, de formas de aceitação do caos, de produzir obra a partir dessa fugacidade.
Se assim é, se é de uma forma-informe que estamos a falar, que justiça haverá de a qualificar como um exercício próprio de um novíssimo? Percebem onde quero chegar? [Quanto mais não seja também porque esta obra de grupo, embora assinado pela Madalena Fragoso e a Margarida Meneses, seja, quanto a mim, superior a quase todas as longas da competição nacional que vi até agora]. Talvez que apenas formalmente estejamos perante esse afinar da pontaria da arma do realizador: a observação. Talvez que estejamos afinal a assistir a uma outra forma da condução da relação entre o cânone e o caos. E é preciso assumir isso: que as mudanças, os choros, os cansaços, a emoção, a galhofa, os passeios (com e sem cão), as conversas entre o filosófico e o brega sejam a obra. Obra de um certo existencialismo tardio, despido de matéria polida, retomando as obras diaristas de Jonas Mekas, Ross McElwee ou Jonathan Caouette. Um espaço e um tempo a várias mãos, num diário colectivo, que deu forma, registou, esses momentos de crescimento das suas vidas. Mas cujo crescimento não abdica de querer transformar o paradigma, de querer ver a Praça de Londres como uma Montanha Mágica, de arrastar para debaixo do tapete os grandes desenlaces e ficar com um brilho do sol numa árvore, um contraluz forever, um espaço mítico e único que, quem veio habitar depois a casa, nunca chegará a saber o que era.

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