Ficaria com problemas na consciência senão começasse por descrever a abertura deste Filomena (2019). Sons e rangeres metálicos de cabos e barcos. Ecrã ainda negro e um fade in lento sobre um plano aberto do mar (que segundos depois saberemos ser rio). Depois um cross fade com outros dois planos: um travelling sobre uma silhueta que caminha reflectida, invertida, sobre os azulejos brilhantes de um chão que vai aos poucos tomando o lugar do rio; e o plano absorto do rosto de Sandra Hung, a Filomena. O plano seguinte, aberto, vai desfazer a ilusão da viagem longínqua que se nos estava a formar na imaginação (e não é esse um dos temas do filme?). Já com os sinais sonoros típicos, percebemos que Filomena parou para apertar o sapato e que está numa estação fluvial e que veio trabalhar, como todos os dias.
Depois da orgia de sons e cores de Verão Danado (2017) esta curta de Pedro Cabeleira é certamente mais clássica. Tendo por base a relação amorosa entre uma empregada de limpeza e o homem que se presume engenheiro, que lhe pede para partirem para longe (o Brasil), o jovem realizador procura reflectir, formal e tematicamente, sobre um conjunto de oposições. Entre o já referido fechado e a revelação do plano aberto (talvez isto já esteja, a seu modo, presente no filme anterior), mas também entre o longínquo e o distante e entre o alto e o baixo. O longínquo do oceano que separa o Brasil de Portugal, mas sobretudo do jet lag dos aviões da patroa por oposição com as viagens constantes de comboio da colega, e do rio que Filomena atravessa diariamente. No final, as majestáticas panorâmicas ascendentes e descendentes filmam a décalage, a escada social, ou também o plano do andar de cima onde está a patroa e as escadas a separar o espaço, cá em baixo, que as empregadas limpam. Contudo, a música lírica e efusiva que, em certos momentos acompanha Filomena, parece ser uma bonita proposta de superação dessas oposições.
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