Talvez por ter uma natureza fundamentalmente indisciplinar e indisciplinada sempre me senti intrigado pela relação entre a rotina e a regularidade. Os gestos, as palavras, as atitudes, quando colocadas numa circularidade sem fecho parecem entrar no domínio pejorativo do rotineiro, da imposição maciça de uma fórmula de vida. Contudo, não vivendo nós sem padrões, numa fuga de sobrevivência à incompreensão do caos, temos o lado positivo do padrão: a constituição de uma regularidade como sinal de perseverância, consequência e carácter.
Intriga-me então como se define o momento a partir do qual o regular se torna rotina ou qual é a linha de demarcação entre a fuga ao caos e a construção aritmética da vida. Esta minha preocupação não se prende com nenhuma vontade de ter um manual de know how para a vida. Interessa-me bem mais relacionar os ditos padrões com uma correspondência visual.
Ainda há uns dias falava com um amigo sobre a distinção entre uma mulher atraente e alguém com o sexo escrito no rosto. Também aqui a regularidade e a irregularidade do rosto são sinais dessa predisposição à ordem ou à desordem. Se juntarmos a ideia de que a noção de clássico na arte parte da harmonia das linhas e estruturas e é aquilo que é passível de reprodução (Lembro-me de uma frase, penso que um dos editores de Flannery O'Connor que dizia que o clássico é o livro que nunca fica out of print ) e que o moderno rebenta a estrutura e trabalha sobre o único e o perene, há então uma correspondência a fazer:
-talvez a escolha entre a regularidade e a irregularidade, para a vida, para o rosto, seja uma decisão sobre o tipo de obra de arte que queremos ser; isto sem contar que o envelhecimento, a desordem da carne e da natureza são, por natureza, modernos. Modernos porque mortais.
Pequeno belo texto.
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