terça-feira, 27 de novembro de 2018

Suspiria (2018) de Luca Guadagnino

Creio que talvez seja um erro, ou pelo menos uma leitura apressada, separar a versão original de Suspiria (1977) de Dario Argento e esta de Luca Guadagnino com base numa simples oposição entre uma narrativa e uma forma. Este raciocínio implicaria catalogar o filme de Argento de acordo com uma história coesa, um witch tale com corpo de giallo (talvez com pedaços de corpo, pois o filme de Argento não é um todo ele um giallo) e o filme de Guadagnino como uma obra que coloca à frente de tudo um formalismo exuberante e onanista. Contudo, tal não me parece corresponder à verdade. E não o é, porque, convém não esquecê-lo, a obra-prima do mestre do terror italiano tinha alguns plot holes e era ela própria de um formalismo maravilhosamente exasperante. Mas então o que é que tira brilho (e terror) a este retake de Guadagnino ? Aquilo que faz do filme de 77 um filme impactante é precisamente o facto de ele se construir sobre uma linha de subtil equilíbrio entre a sua forma e o seu conteúdo. Quer dizer, ele constrói uma dada situação narrativa - à qual não falta sequer uma mitologia própria, gótica, política, policial -, que vai tendo os seus altos e baixo ao nível do grau de tensão e surpresa sobre o espectador, e é depois sobre esta manta que Argento coloca as cores, o sangue, a música, em momentos claros, precisos, delineados.

O que se perde com o Suspiria dos tempos modernos é precisamente essa subtileza, esse equilíbrio. Talvez pelo peso da responsabilidade (ou mesmo pelo ensimesmamento de Guadagnino que viu aqui a possibilidade de "criar arte", de "esculpir o novo") o que era leve passa a pesado, o que era subtil, pornografiza-se. Tudo é curto, grosso e evidente. Quer mensagem verbal, quer mensagem pictórica, chamemos-lhe assim. Um bom exemplo é a forma como o filme de 2018 tenta tornar evidente o subtexto político da narrativa: as facções políticas no exterior e no interior da escola de dança, a clandestinidade das bruxas e a clandestinidade dos resistentes políticos. Esta abordagem política, assim clarificada, no fundo o que faz é "formalizar um conteúdo latente" na obra de Argento. E se a mensagem precisa aqui de uma dada forma, clara, o inverso também é verdade. Ao contrário das set pieces no original, aqui o formalismo parece querer tomar um espaço de conteúdo. Um corpo substancial, uma filosofia apressada da forma que aqui é explorada até à exaustão e que se prende com o uso do corpo e da dança associado a uma escrita cinematográfica. Talvez Suspiria precisasse de um realizador menos romântico (mas já não era o miscast do realizador, e por razões semelhantes, o problema do retake de Halloween?), alguém que não visse no terror um short cut para o inefável. Que percebesse que mesmo o gótico era assunto do quotidiano, de lamas, de escuridões, de castelos associados à vida de pessoas. A câmara de Guadagnino acaba por dançar por este Suspiria, tornado coreografia interminável, como uma entidade tomada por uma musa da inspiração a tempo inteiro. E a comprová-lo são as várias cenas à mesa, dentro e fora da escola, onde as palavras não são concedidas às suas personagens. Ouvimo-las mas não das suas bocas, provindas antes da voz da banda sonora. Um mistério que logo se desfaz pois quem fala pela banda som, assim como pela banda imagem é o grande demiurgo Guadagnino.



Sem comentários:

Enviar um comentário