"Na verdade, não há razão para invejar o filho-da-puta, mesmo porque a inveja é o quarto traço distintivo e identificativo do filho-da-puta. O filho-da-puta vive preocupado, roído de inveja; o desejo do filho-da-puta é que ninguém estivesse nunca no meio do novo, do belo, do agradável, porque isso dá satisfação a quem lá está; que ninguém fizesse nunca nada de novo, de belo, de agradável, que isso vem alterar a ordem das coisas, e o filho-da-puta só se sente à vontade quando as coisas estão na ordem e ele à frente delas. Por isso, tudo quanto os outros fazem o inquieta e preocupa. Por isso também é sabido que gosta de dizer mal de tudo o que é novo, belo e agradável, pôr em causa tudo quanto lhe causa surpresa; sente-se presa da novidade, gosta de dizer mal e de pôr em dúvida, gosta de rebaixar, de destruir tudo quando é novo, belo e agradável, gosta de abalar, de estragar, de não deixar fazer tudo quanto é novo belo e agradável. Porque isso tudo, na sua ideia, desfeia. O gozo dos outros, sobretudo o amoroso, línguas que se lambem, na sua ideia, desfeia. Faz a boca feliz mas, na sua ideia, desfeia. O amor faz-lhe inveja, por isso ele o proíbe ou inibe, embora o permita e admita a imagem porque, como a imagem cria o desejo e não o gozo, dele nasce mais o desespero que o esperado. O lema do filho-da-puta é amar a humanidade em geral e odiar toda a gente em particular."
in Alberto Pimenta in "Discurso sobre o filho-da-puta"
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