quinta-feira, 1 de novembro de 2018

AMIGOS, recorro a vós

AMIGOS, recorro a vós na esperança de sincera ajuda, de uma mãozinha que me auxilie - nesta hora de perdição - a acabar com o vício, a cortar com esta miserável existência de agarrado. Vou contar-vos acerca da minha dependência. Não me julguem, ouçam-me apenas. Um dia descobri que estava a ficar com paredes a menos e estantes a mais. Livros empilhados, em série, desordenados, debaixo de recantos e cantinhos mal frequentados. Tinha pós acumulados. Sonhava secretamente obter o auxílio de um bibliotecário que me organizasse a livralhada, que viesse falar comigo, me compreendesse o desnorte, a dispersão de tudo isto. As abelhas, o comunismo, o Tchekov, os guias de ópera, tudo me serve para apaziguar o vício. Tarde ou cedo descobri que tinha um problema, mas não tem sido fácil. Dou por mim: a poupar nos cafés para comprar um livrinho aqui outro acolá; a pedir doações a familiares para o "ministério da cultura" do meu escritório (é assim que eu assedio os mecenas); a perder manhãs de trabalho nas pornográficas secções da amazon. Vou à inglesa, à americana, à francesa, à espanhola, à brasileira e - quando acordo mesmo sem pudor nenhum - vou à alemã e à italiana. Tudo me serve. Já tentei contornar a Fnac e os alfarrabistas da Baixa nos passeios de fim-de-semana, já pensei em bloquear a wook para não cair em tentação, já saltei mesmo idas à feira do livro (e só deus sabe o que me custou) e quando passo no Colombo o meu coração acelera em frente da Bertrand e é a minha Filipa que me agarra, firme, pela mão e me leva à volta. E eu lá vou, em nervos e choro contido. Tentei já também a igreja universal dos e-books, dos kindles, dos formatos mobi, epub, pdf e até - imagine-se! - converter um livro em documento do word. Aquilo a que uma pessoa chega... Mas, não me levem a mal, tudo isso é metadona. Onde estão os rabiscos, os marcadores de livros, as páginas dobradas, pintalgadas, o pó incrustado, as manchas de café, de comida, de velhice. Como é bom apalpar um livro, folheá-lo, lê-lo todo, à bruta, e depois ficar com dores no corpo das más posições da leitura. E eu já não sou um jovem... Como é bom o cheiro do napalm e do livro lido logo pela manhã! Mas sim... tenho vergonha de mim e das minhas impulsivas compras, empréstimos, e todos estes vis actos a me leva o desespero. Agora tenho ido a bibliotecas e tenho estado muito nervoso. Há tantos livros por lá... Juro-vos que não sei mais o que fazer. A única coisa que tem funcionado, apesar de tudo com algum grau de sucesso, é o Facebook. Mas não sei... ajudem-me!

7 comentários:

  1. Caro Carlos,

    apalpa mas é a tua Filipa que, conforme pudemos ler - e tu confessaste - te afasta da pornografia altamente perniciosa que redunda (todos o sabemos) em contas bancárias por conta de exercícios de sedução livreira iminente... :)

    Alternativa: faz como eu, que cheguei a comer só sandes, na Faculdade, para comprar livros e só há poucos anos percebi que a situação de merda (massa a menos, muito a menos) em que me encontrava tinha uma única saída: doar a biblioteca: doei, inclusivamente, livros acabados de comprar (o meu ultimo Roth - o Philip, não o Joseph - foi, literalmente, meu, trazido de empréstimo da bblioteca municipal).

    "- como conseguir isso?", perguntarás.
    na primeira tentativa, chorei sentada diante das prateleiras, muita baba e muito ranho e muita memória do esforço, das sandes de manteiga; deixei passar uns meses, atirei-me aos supermercados que têm caixas lá de ladex ou nas traseiras, e encaixotei tudo: TUDO. De seguida, telefonei para a dita B.M. e pedi-lhes que os viessem buscar, que uma pessoa tem os seus limites e isso significa falta de bandejas :D

    ______________
    (acredites, ou não, jamais me arrependi: leio de empréstimo, que aquilo que verdadeiramente importa é ler, não ter, e não duvido que o saibas :)

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  2. Muito bom...o facebook pode curar isso, sim. É mesmo o que andam por lá a fazer, os que eram agarrados nas leituras.

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  3. ó vê, Carlos, trouxe hoje mesmo, a custo zero (após ter feito a devolução dos outros 3), por 15 dias, mas podem serv 2/3 meses, que eu não abro alguma correspondência, principalmente tendo feito uma doação que jamais foi agradecida:

    - Número Zero, Umberto Eco
    - Senhora do Oráculo, Margaret Atwood
    - Arranha-Céus, J.G. Ballard

    :P

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  4. Tens razão Alexandra, eu neste momento também tenho 4 livros da biblioteca em casa. Mas já sabes como é a droga, é mais e mais e mais. Nunca chega. Amanhã passo nos alfarrabistas da Baixa. eh eh

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  5. sei, não me fales de merda que eu começo a flipar com estas cenas dos livros - e de cinema jamais falaremos!

    mas não vás, não vás, ao alfarrabista milionário, decerto, que pode fazer-te falta, o esparguete, para a máquina de lavar roupa :))))

    _________
    (cada um sabe de si, certo? certo! obrigada por concordares, mas morro de inveja... :)

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  6. O livrinho é de 2012, chama-se Døde fedre - Portretter (Pais mortos - Retratos), de Jens M. Johansson, uma colecção de entrevistas a malta da cultura, entre outros a escritores. O bom do Jens vai à suécia e entrevista Karl Ove Knausgård. O outro, às tantas diz-lhe que tem estantes novas e que vai ter que arrumar os livros. E que adora aquilo. Arrumar um livro após outro, um autor ao lado do outro, ainda que na aparência não se relacionem. Que há qualquer coisa de relaxante naquilo, como na pesca, olhar e tocar nos livros, pensar neles. Nem é preciso ler, basta saber que eles estão ali. Cito isto de memória, mas se quiseres traduzo-te a passagem.

    Esta teu pedido de ajuda lembra um pouco uma carta que um americano (também estou a citar isto de memória e nem me lembro já onde o li) escreveu a um colunista de um jornal a pedir conselho: queixava-se que a mulher era ninfomaníaca...«o que devo fazer?» perguntava o pobre homem. O colunista respondeu curto: «dê graças a Deus e pare de escrever cartas.»

    Se tens esse problema (dos alfarrábios) és um sortudo.

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    1. Sim, é verdade isso de ser relaxante. Tinha mudado o sítio dos livros há uns meses em formato relâmpago. E nos últimos meses fazia-me um impressão tremenda querer um livro e não o achar, não ter as minhas ligações. Agora passei uns dias a organizar tudo à minha maneira e fui como que sugado pelo tempo. Nem sei como se passou um fim-de-semana, assim sem dar por isso. Digamos portanto que o meu "pedido de ajuda" é de alguém que no fundo se sente maravilhoso na neurose. O livro que referes tem tradução inglesa? Abraço :)

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