O que importa é partir e não chegar
“Não podias gostar de mim? Apenas de mim, tal como sou?”, pergunta Kim Novak a James Stewart numa cena capital de Vertigo, sabendo que tem como séria concorrente uma hipotética dupla de si própria. Poucos filmes há como este, tão sulcado por vias sinuosas que acabam por desvendar o essencial da natureza humana, propensa a procurar o inalcançável. O melhor cinema é sempre este – o que nos remete para o mais relevante da vida, por vezes à boleia de um desempenho inesperado. Kim Novak, que só obteve o papel de Judy devido à gravidez de Vera Miles, primeira actriz eleita por Alfred Hitchcock, confere um toque de fragilidade suplementar à personagem, perturbante aparição enquanto objecto de um desejo sempre por consumar. “Um dos melhores desempenhos femininos na Sétima Arte”, rendeu-se David Thomson, nada fácil de contentar. Um clássico é isto: uma obra que nunca cessa de nos interpelar. Do fundo dos tempos continuará a soar-nos a dolorosa pergunta dela, ansiando por uma resposta que jamais virá. No cinema, como em qualquer viagem, o que importa é partir e não chegar.
Pedro Correia *
*Pedro Correia, o meu convidado cinéfilo de hoje, é consultor de comunicação, ensaísta e escritor no blogue Delito de Opinião.
Para saber mais sobre a rubrica Árvore da Cinefilia.
Edições anteriores: #1 Francisco Rocha.
Foi um prazer colaborar neste blogue de que tanto gosto, Carlos.
ResponderEliminarUm abraço.
PC
Agradeço-te teres aceite o meu convite. Gostei muito do texto, até breve, um abraço :)
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