Não sou um conhecedor dos filmes de Eugène Green. Até agora tinha apenas visto a sua segunda longa "Le monde vivant" e dela apenas conservava a ténue memória de planos de pernas e de uma espada medieval nuns jeans. Um pouco como as imagens que guardava da primeira vez que vi "Lancelot du Lac" de Robert Bresson. Curiosamente, dessa lembrança pode extrair-se já dois traços fundamentais deste magnífico "Le Fils de Joseph". São eles a câmara sinédoque do cineasta e o gosto profanatório da História. Neste drama cómico de um jovem que procura descobrir qual a identidade do seu pai, continua esse apreço pelos detalhes expandidos que já mostram o todo - relembro aqueles planos que mostram as franjas do canapé e as suas molas, debaixo do qual o jovem Vincent espreita os flirts do seu pai biológico. Continua ainda o rigor dos enquadramentos simétricos do francês e uma preferência pela representação de tom entre o solene e o frontal. Não é a muito custo que podemos inserir estes elementos numa visão classicista da história da imagem. Em "Le Fils de Joseph" desta estética implica deve poder extrair-se também um ética de frontalidade na franqueza das personagens: aqui não existem pessoas que não digam o que pensam e da forma exacta como o pensam. Apenso a esta rectidão, Green junta a sua outra característica, a visão descentrada, profanada, de alguns episódios bíblicos. O realizador está a contar-nos a continuidade mítica de debaixo do canapé, de debaixo de qualquer reverência ou mesmo explicação psicanalítica. Como identificar os Josés, Marias, Abraãos que passeiam no Louvre, nos jardins de Luxemburgo, que escapam para o campo da Normandia como se fossem para o Egipto? Sem que a comparação tenha propósitos rigorosos, o que importa reter do gesto desta obra parece ser a possibilidade (o dever) de continuar a História inserido-a, a todo o tempo, na nossa história.
Portanto,"Le Fils de Joseph" não é reparador nem apela à reescrita. É sim um filme de evocação de uma acessibilidade que permita lançar mão de noções abertas de paternidade, de desmistificação do peso solene da literatura e do teatro, de inspiração latente das imagens que nos invocam a todo o tempo uma salvação e um sacrifício, como aquela que obceca o jovem filho que decide não sacrificar um pai, antes recriá-lo: o "Sacrifício de Isaac" de Caravaggio.
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