Escrevo na intensidade do vento, contra as árvores que
sangram, contra aquele ponto do éter com aroma a eternidade. Escrevo pela
exclamação de um povo, em letras parvas, no caminho de uma acidentada língua, língua
de domingo intransitada. Escrevo esparramado numa vírgula, esquilo gramatical
de Outono, fruto de adjectivo incomestível. Escrevo como quem coça os dedos, como
quem tem dó da passividade e se acomoda na sombra do fazer. Escrevo por dá cá
aquela palha, feito berloque esquecido numa cómoda, apaixonado pelo pó e pelo
teu pescoço felino. Escrevo como uma caça campestre ao esquecimento ou uma
manada de passarame preso ao tempo da degustação das cerejas. Escrevo nos
buracos da terra: um arado de palavras contra o podre e o desperdício. Escrevo
como funcionário de frutaria, pesando o doce e o amargo, o verde e o maduro. Escrevo
como quem faz a guerra e procura beijar os feridos. Escrevo como quem quer
celebrar o silêncio.
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