Danado, existe pr'ái um ser, vocês sabem, a quem lhe foi dado existir. Espremido
pelos minutos, exprime-se no círculo. A sua vida é a de um prisioneiro, a de
uma liberdade tanta, a correr as nove voltas do inferno e a contar pelos
dedos, pelas patas, pelas ruas e lutas, as suas quedas, a sua inutilidade.
Sempre à volta, vive praticamente sem vida, mas não pratica, nem mente. Por
vezes, o sol parece que brilha e lhe acerta em cheio, e nessas ocasiões anda
muito direito, quase feliz: corpo para cima, muito leve, dentes de fora a
carregar orgulhoso o desespero, a exibir uma energia brilhante que o frio, a
maior parte das vezes, lhe retira. Nesses instantes não se importa de ser o que
é, praticamente nada. Um círculo pouco prático, com pernas para se inclinar,
maníaco, pelas portas, pelas paredes, pela manhã de uma tarde que é um dia de um
ano interminável. Não precisava de grande coisa, quase nada, praticamente,
talvez um espelho que lhe mostrasse a morte a trabalhar?
Ínfimo, existe pr’aí um ser, vocês sabem, a maior parte das vezes ninguém
ouve os seus uivos salgados, berros de barro que fazem já parte do som do Inverno, como o cantar dos pássaros ou o vento alucinado. Mas eu sei que vai chegar o dia
em o círculo que ele carrega vai desgastar o chão até fazer vulcão, até fazer
ferida. Nesse dia, quando este ser que é praticamente nada se lançar vulcão
abaixo, livre e quente, vai acontecer um milagre daqueles que ninguém acredita por serem gostosos. As entranhas da terra,
incandescentes e loucas, vão recebê-lo nos braços e cuspi-lo para o éter. Nesse
instante a inutilidade terá enfim cumprido o seu fim e o mundo poderá recomeçar,
inerte, mudo, novamente. Vocês sabem, as estações não hão-de mudar muito por
isso: os mesmos meninos correrão ensonados para a escola e os velhos continuarão
no mesmo passo lento para o jardim.
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