Não posso dizer que seja um grande seguidor de animação. Ela deixa-me em
terra de ninguém, incapaz de apreciar, pela irremediável distância,
quer a simplicidade de algumas histórias infantis, quer a complexidade
futurista das milhentas personagens de milhentas patas e garras de
dimensões paralelas. Talvez por isso só por insistência do word of mouth me tenha posto a ver Inside Out,
o último filme da Pixar. Grande perda a que estava prestes a acontecer. A
história de uma menina que muda de casa e cujas mudanças internas e
externas têm de ser geridas pela torre de controlo comandada pela
alegria e pela tristeza, com as tentativas de interferência do medo, da
raiva e da aversão. Bonequinhos coloridos que Pete Docter, argumentista e
realizador, coloca no centro da psyche da menina. É lugar comum falar
da animação contemporânea como o espaço que tenta gerir um universo
infantil, ao mesmo tempo que modela uma complexidade "adulta". Mas neste
caso, está em causa toda uma imagética do funcionamento do humano. Ao
mesmo tempo que não larga o "bonequinho" Freud, transporta-nos para um wonderland
de Lewis Carrol (o amigo imaginário da menina, um elefante de algodão
doce que chora caramelos é disso o elemento mais revelador) com o
colorido imaginário Bubbles ou SimCity como background. Nesse mundo interior ainda há o estúdio cinematográfico dos sonhos, a masmorra do subconsciente, o espaço da desconstrução do pensamento abstracto e as ilhas da amizade, da honestidade, imaginação, etc. Convenhamos que são demasiadas boas ideias para passar ao lado de Inside Out. Título
aliás que é triplamente sugestivo. Primeiro porque é um filme sobre dar
a ver o comando interior do mundo exterior. Segundo porque ilustra essa
tensão de que falei entre a animação que tem de ser infantil e adulta. E
finalmente pois que se o filme passa o tempo todo a fazer o elogio da
alegria como aquela que tem de impedir o "barco" de afundar, para depois
revelar o fundamental papel da tristeza no crescimento do ser humano.
Filme cómico por dentro e triste por fora, ou viceversa, dependendo de
sermos mais azuis ou mais próximos de uma ideia de claridade. Como vi
escrito algures, Inside Out é um filme que passa à long term memory de quem o vê.
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