Não sei qual foi o momento em que a má consciência deixada pela merda
dos racismos históricos devorou o tema da diferença. De tal forma que
eu, herdeiro dessa pedra no sapato, desse peso na consciência (sou como todos, não me quero sentir
excluído), não posso deixar de sentir um "mas" a dar-me com um
barrote nas costas quando penso em começar uma frase com a expressão "As
mulheres...". De facto assim é.
Mas... as mulheres possuem um olhar de
medusa. Já pensei nisto muitas vezes, no autocarro, em casa, numa festa
de anos, num filme... Por exemplo, Brooklyn, anos 50. Estão a ver, não
é? Há uma Rose, emigrante irlandesa, que entra na sala de baile e a
música soa a bandolins, violinos e vozes cheias de melancolia. Toda
gente pensa na sua casa naquele momento. Não naquele caixote do lixo de
estátuas e oportunidades de trabalho mas nas praias desertas da costa
irlandesa e no whiskey meio quente de Dublin ao anoitecer. Rosa olha em
volta e descobre o seu alvo: é um italiano que tem um defeito de fala e
quer casar assim que puder. Tanto melhor. Aponta o olhar de medusa e
fica à espera, pacientemente, por um deslize, um momento em que o
italiano baixe a guarda. Minutos depois ele poderá pegar no copo da
cerveja e olhar para o lado, distraído, na sua direcção. Ou pode
terminar de observar o tecto para respirar daquela gente toda. Nesse
momento em que a presa está nua e a balir num canto já ferida (embora
ainda não o saiba), Rose espeta-lhe o olhar de medusa e transforma-o
em pedra. Quer dizer, numa pedra de sedução em que ele fica ali à sua
disposição, para o que ela quiser no resto daquela noite. O olhar de Rose, como o
olhar das mulheres, é esse espigão que substitui o soco, que arrasta na
lama o pobre condenado deixando as suas costas em carne viva. O amor é
feito desses lanhos nas costas.
O olhar das mulheres petrifica assim os
homens (e as mulheres também; que eu não arrisco). A festa pode acabar já ali. Rose e o seu par de olhos
azuis-pedra levara a melhor sobre o ridículo irlandês cheio de brilhante no cabelo. No fundo, é sempre a lei
do mais forte.
É o olhar, é,
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=3mXWn5PRsWk&index=13
se não me convidam para uma tertúlia destas fico fodido.
eh eh, são as conversas à pala no Porto.
ResponderEliminarA malta do cinema sempre teve estas musas, estas criaturas de natureza semi-divina, delicadas... cabrões, pá.
ResponderEliminar