No prólogo de "História da Eternidade", volume de ensaios de Jorge
Luís Borges de 1936, o argentino escreveu: Como não pude sentir que a
eternidade, ansiada com amor por tantos poetas, é um artifício
esplêndido que nos livra, embora de maneira fugaz, da intolerável
opressão do sucessivo?
Parece haver uma certa ironia nestas
palavras e no desenterrar da dimensão artificial (e anti-religiosa) da
dimensão do eterno, algo que aliás se confirmará no primeiro ensaio da
obra que dá nome ao título da compilação. Quer-se dizer, a fazer uma
escolha entre a sucessão (a "História" do título) e a imobilidade (a
"Eternidade" do título) há que ter em conta que há na eternidade algo da
ordem do dispositivo que importa ter consciência. Seja ele um
dispositivo filosófico nos arquétipos platónicos, seja um dispositivo
religioso como na santíssima trindade com Santo Agostinho, seja um
dispositivo poético como o tom rosado da ternura que Borges encontrou
numa cerca que era a mesma de há trinta anos. A estes dispositivos
está, segundo ele, ligado um modelo de "unânime eternidade" que é a
nostalgia. E escreve: Na paixão, a recordação inclina-se para o
intemporal. Reunimos as venturas de um passado numa única imagem; os
poentes diferentemente vermelhos que vejo em cada tarde serão na
lembrança um único poente. (...) Por outras palavras: o estilo do desejo
é a eternidade.
Difícil não pensar no cinema debaixo deste
contexto. Por um lado, o dispositivo do cinema do lado da naturalidade
da sucessão de tempo, do lado oposto ao dispositivo da paragem, do
eterno. Por outro lado, há algo na concepção do amor e do desejo que
implica a paragem do tempo, da montagem. O cinema moderno com o seu
trabalho sobre o tempo no plano, a duração, talvez tenha sido então esse
momento na sucessão (na História) em que o cinema se distanciou, e, como
diz Borges, se sentiu como "morto", "percebedor abstracto do mundo". E hoje, o
equilíbrio da aceleração do cinema e sua fragmentação talvez esteja
aqui: por uma parte, incapaz de produzir de forma tão natural
dispositivos de eternidade e paixão; por outra, próximo como nunca de um
fervilhar da sucessão que vê em cada modelo (de ideia, imagem, padrão)
um travão autoritário ao pensamento e ao "agir sucessivo das mãos" na
criação.
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