Tinha escrito no outro dia que alguns planos de natureza-esquadra-morta a ser varrida por tiros em Assault on Precint 13 pareciam cinema experimental. Depois Carpenter volta a fazer a brincadeira no início de The Fog com algumas
das máquinas de Antonio Bay: as cabines telefónicas a tocarem em coro, as
garrafas a tremerem e a tabuleta que se solta no supermercado, a mangueira da
gasolina. Tudo isto termina (quer dizer, continua o que tinha começado
já com o computador filosófico e desobediente de Dark Star) com Christine, a "carra" (carro-fêmea?) assassina. Carpenter disse sobre Assault que toda a rodagem foi um pesadelo, sobretudo porque estava ainda a aprender. Este facto, se o virmos como um momento onde as máquinas, as técnicas de filmagem e o décor
ainda dominam o realizador (e não o contrário) ilustra bem como o
discurso sobre a tecnologia em Carpenter se encontra com o seu tema
favorito: o desafio da autoridade. Dark Star, Assault, The Fog, Christine tocam
todos este ponto em que a máquina desafia a autoridade do homem, do seu
criador. E é curioso que se no filme de 76 o homem ainda não domina a
máquina do cinema, com The Fog, o problema é
exactamente o inverso: o trabalho "gasoso" com a composição no nevoeiro,
na leveza de uma história de fantasmas, exigia um menor controlo, uma
maior volatilidade técnica.
Mas este
desafio que a técnica põe é sempre complexo pois ele está sempre entre a
ilusão da relação com o humano na sua dimensão de indivíduo e a capacidade de não se ser particular,
de se ser qualquer um. Christine é o domínio da tecnologia automóvel
sobre o homem mas é também a amada de Arnie. O nevoeiro dissolve-se e Stevie Wayne diz na rádio: I don't know what happened in Antonio Bay
last night. / Something came out of the fog and tried to destroy us. /
In one moment it vanished. / But if this been anything but a nightmare /
and if we don't wake up to find us safe and sound in our beds it could
came again. / To the ships at sea that could hear my voice, look across
the water into the darkness, look for the fog. Este aviso estende a
ameaça dos rostos dos marinheiros que pretendiam a sua vingança aos
"ships at sea", sem rosto, sempre prestes a enfrentar o nevoeiro súbito.
A mesma coisa se passa com o outro tecno-biológico que vem dos espaços
num disco voador em The Thing: a coisa não tem rosto
próprio, tem os nossos rostos "desafiando a autoridade" da nossa técnica
evolutiva, a cadeia de DNA.
E mesmo esticando a corda,
e saindo do domínio estrito da tecnologia, Snake Plisskin é o homem
fura projectos colectivos, é a integridade do vista do ponto de vista do
indivíduo, mas ele próprio é todos ao destruir a cassete do "president
of who?" no final de Escape from LA. Assim como a
ausência de geografia de rosto próprio de Mike Meyers. A brancura da sua
máscara é superfície onde a América espelha os seus males e isto apesar
de por baixo haver uma relação particular daquele ser com aquela cidade, e
vai ver-se depois nos filmes seguintes, e com a filha de Janet Leigh em particular.
Tudo isto desemboca numa evidência: os planos supostos experimentais ou
de natureza morta de Carpenter pressupõem sempre esse espelho do não
morto (do que no limite os fará morrer), da passagem da pequena história
à grande história, do rosto particular aos rostos indestinguíveis de
todos. É essa passagem realmente o sítio mais propício para se pensar as
relações de autoridade e a dialéctica entre o senhor e o escravo.
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