quarta-feira, 19 de agosto de 2015

A ausência de reflexo como problema em John Carpenter


Na abertura dos espaços exteriores de Assault on Precint 13 a violência urbana é habitada sob a forma de gangs, punks, que ameaçam o último reduto de uma suposta integridade interior, o espaço da esquadra, súmula de segurança e amor entre iguais (mesmo que estes iguais sejam criminoso e autoridade). Em The Fog, Village of the Damned, Halloween, The Thing a mesma mecânica em actuação: um espaço confinado, seja uma comunidade urbana, seja uma estação polar no Pólo Sul, prestes a ser invadida na sua suposta tranquilidade e certeza de vida. Já Escape From New York inverte um tanto a premissa: é o interior o espaço da insegurança que ameaça escapar-se...contaminar, e a excepção da criminalidade que se torna a norma. Mas como em Assault, Carpenter preocupa-se em filmar a integridade no interior e a falta de escrúpulos da sociedade dita "livre".

 Em Prince of Darkness estamos numa espaço intermédio. Os planos dos mendigos (uma das personagens diz que não podem ser esquizofrénicos uma vez que não têm um padrão de repetição de comportamentos, limitam-se a estar ali sem fazer nada) junto à igreja, parados, a observar, à espera, mantém uma preocupação de Carpenter em auscultar a dimensão desumanizadora, decadente da massa urbana (They Live, claro, é o filme da anti-massa por excelência, mas Escape já prolongava a preocupação que Assault inaugurava). Dito isto seria apressado ver Prince como They Live ou The Thing, isto é, como um filme onde a humanidade sofre o ataque exterior alienígena. Em vez disso, este segundo tomo da trilogia do Apocalipse começa por se aproximar de Escape na possibilidade de um interior se espalhar pelo exterior contaminando-o (o interior é o contentor verde do líquido ejaculador verde, e é o espaço confinado da igreja). Contudo, a ameaça coloca uma terceira dimensão em jogo, o jogo da anti-partícula, do lado de lá do espelho, da negação da realidade como coisa+reflexo da coisa.

 É toda uma dimensão alternativa que ameaça escapar-se tornando a lógica interior/exterior incapaz de resolver o dilema.  Neste sentido não é o exterior, como reflexo da realidade, o que invade o interior; nem é este interior, como realidade que ocupa a sua cópia especular alternativa exterior, o que está em causa. Em Prince of Darkness existe antes a possibilidade de um terceiro elemento estilhaçar essa lógica dualista, invadindo quer interior, quer exterior. Lógica que aliás já tinha começado a ser pervertida em The Thing: é que o reflexo de um ser podia precisamente não ser a imagem desse ser, mas uma... coisa.

Sem comentários:

Enviar um comentário