quinta-feira, 31 de maio de 2012

Fé no Texas

 
É inegável que face a Texas Killing Fields, realizado por Ami Canaan Maan, a filha de Michael Mann, existe a forte tentação de antecipar um talento “quem sai aos seus”. Tendência reforçada não só pelo dedo do pai na produção do filme, do argumento de Don Ferrarone (tecnhical adviser em Heat e Miami Vice), mas sobretudo por se tratar de uma obra que assenta nas mesmas paragens do policial. E não será escandaloso começar a traçar hipóteses ainda que o futuro nos prove errados. Como no universo de Mann pai, Texas Killing Fields exibe uma atmosfera que extrapola do modus clássico do género – o metódico procedimento para alcançar o criminoso - e que aqui é sobretudo direcionada para o poder da lei (moral, cristã, de princípios) ante a vastidão selvagem dos “killing fields” texanos. Desta feita, a primeira longa - metragem de Ami Maan parece uma espécie de Blood Simple de onde de retirou cirurgicamente o humor, deixando o negro e uma dose maciça de curiosidade e crença. O seu par de protagonistas, os dois detectives, o crente e o descrente ou o nova iorquino e o texano, avançam no espaço para descobrir a identidade de um potencial serial killer. Contudo, esse mistério é consumido pela presença desses campos, plenos de fumo, mortíferos (o espaço a indicar-nos o conflito, a ser pedaço de um “viver baixo”, sem escrúpulos, vício texano). É nesta contaminação espacial que evolui  a mecânica das personagens que querem ver, compreender ou refugiar-se desse estado de vício. Neste, assiste-se a uma “máquina” psico-geográfica em ação: ela mata os inocentes, mas também se auto-aniquila, oleada, prescindindo da ação policial. Lembremos que em relação às mortes finais, a justiça é obtida por mão própria dos “injustos”. É uma ideia ousada esta a da relação constitutiva do homem interior pelo espaço que o habita, mas não particularmente inovadora: Ford fez isso com o seu Monument Valley, mesmo Wim Wenders intuiu essa relação para propósitos de libertação com Paris, Texas. Contudo, esta intencionalidade de Ami Maan, o querer dar um passo maior que a perna (leia-se perna aqui como algumas e naturais limitações técnicas de Texas Killing Fields, desde o rendilhado musical a encobrir muitas cenas, passando pelo digital de mão nervosa, ao slow motion como efeito televisivo), augura coisas boas. E mesmo essas limitações servem, não raras vezes, essa premissa de contaminação, de eficiência policial e psicológica herdada de linhagem privilegiada. Exemplos? O contraluz no interior das viaturas da polícia, as máquinas de fumo que quase “vemos”, embora off, alimentam esse puxa-puxa de cada detective a querer canalizar o filme para o seu espaço de conforto. Esta angústia interior das suas personagens e desorientação espacial dos valores permitem pensar um lugar primitivo onde pode crescer o talento de uma cineasta. Lugar bem distante da histeria estética e procedimental que inundou o género policial no local onde este ainda luta para sobreviver, a televisão.

Sem comentários:

Enviar um comentário