Basta
ter presente algumas das linhas mestras do história do pensamento alemão, ou
mais particularmente algumas luzes sobre a evolução do seu cinema, para
imediatamente perceber do lugar deslocado que Formentera de Ann-Kristin Reyels não pode deixar de ocupar. Que
ligeireza inaudita é esta que percorre um filme assim sobre sentimentos? Bem
sabemos que o casal de protagonistas, Nina e Benno, está de férias na conhecida
ilha espanhola que dá ao nome ao filme, situada perto de Ibiza, e que estes se
fazem rodear de amigos hippies,
despreocupados, longe do stress de Berlim. A proposta parece ser mesmo essa:
como é que um espaço de liberdade, solar, pode influir nas perspectivas de futuro de uma relação urbana, com
ritmos organizados para o trabalho? Embora a realizadora procure
que os raios de sol se infiltrem nos seus planos e deixe algum tempo para que as
suas personagens percorram e usufruam da ilha, isso não se afigura suficiente
para essa contaminação psicológica. Os planos do casal a andar de mota, os
diálogos durante as refeições com os amigos de Benno, a sequência da festa, o
“sábio” artífice mais velho, os próprios micro-conflitos que crescem entre o
casal não rimam com o espaço psicológico dos personagens, com o seu dilema, e
depois, perto do final, com a sua aparente resolução. A própria solidão,
sobretudo de Nina pela ilha, mas também em Ibiza, é, mais do que um truque de
densidade, ou uma "avventura" antonioniana, um espaço de desolação da própria mise-en-scène.
O
realizador italiano Alessandro Comodin explicou-nos, no final da sessão do seu L’Estate de Giacomo, que foi o facto do
irmão mais novo do seu melhor amigo, Giacomo, agora com 18 anos, ter feito uma
operação para, pela primeira vez, obter algum grau de audição o ponto de
partida para o seu “documentário”. As aspas aplicam-se pois, embora Comodin
tenha acompanhado pedaços de um Verão de Giacomo com Stefania (sua amiga e irmã
mais nova do realizador) no norte de Itália, junto a um rio, os mecanismos de improvisação estão
associados a um feeling ficcional. É
que a observação dirigida do caminhar pelo bosque, das brincadeiras com a água
e areia à beira do rio como formas de desfrutar a vida e de relacionar um
tempo e uma natureza aos temas insignificantes da felicidade, são-no comandadas
pelo olhar de um realizador (28 anos) que já vê esses tempos a uma distância de
“charme”. O que não tira mérito ao filme, pelo contrário, apenas aguça a sua
dimensão ficcional sublinhada pela utilização da música, a escrever nas
imagens, um imaginário pop, a trazê-la para a exaltação de uma infantilização
adulta, como revelado na influência criativa do seu montador João Nicolau, e da
afinidade estética de Comodian com Miguel Gomes. Embora já tenha arrecadado o Pardo d’oro Cineasti del
presente - Premio George Foundation no Festival de Locarno, L’Estate di Giacomo, nessa passagem dos
sentidos pela natureza, pelo desfrute telúrico (também próximo dos universos de
Lisandro Alonso ou até Kelly Reichardt), é também um candidato ao prémio final.
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