El Estudiante, primeira longa-metragem
de Santiago Mitre, chega-nos a Portugal provavelmente com o “empurrãozinho” de
Pablo Trapero, tendo sido seu co-argumentista nos seus dois últimos filmes: Leonera (2008) e Carancho
(2010), este último estreado entre nós. Além disso, Santiago
Mitre é mais um nome a figurar do clichet em que se tornou pertencer ao “novo
cinema argentino”. A sua estreia na realização acarinha um tema duro, a
política estudantil como gérmen da carreira política. O seu protagonista é,
claro está, um estudante, Roque, que vem da província para a grande cidade de
Buenos Aires e que progressivamente vai começando a tomar parte ativa nos lutas
pelo poder estudantil na capital argentina. Filmado em sete meses na Faculdade de
Ciências Sociais de Buenos Aires, com uma pequena equipa, El Estudiante parece querer introduzir-se documentalmente no espaço
que retrata, privilegiando a câmara à mão não muito irrequieta, os planos
apertados e sobretudo uma relação interessante com os elementos que compõem os
interiores, as bandeiras, os cartazes, etc. Parece que rodeamos a questão. Sim,
temos de o admitir. Indo fundo ao assunto diga-se que El Estudiante sonha com um ambiente
denso, politizado, como aquele que Michael Mann montou em The Insider (1999), por exemplo. Não estamos seguros sobre qual a
razão principal que o separe de tal objectivo, talvez sejam várias ao mesmo
tempo: primeiro, o dilema político vivido pelo seu protagonista permanece
sempre como ilustração; depois, está longe de estar “resolvida” a relação
emocional/sexual de Roque, isto na ligação com o resto que é El Estudiante; por fim, essa passagem
da pequena vila à cidade, nunca deixa de ser um tema em surdina que raramente emerge
na obra. O resultado disto tudo é um filme que, sendo profundamente construído do
ponto de vista da sua história (a voz off
ocasional mostra essa “obsessão” da escrita), é igualmente lasso na sua
capacidade de “agarrar” o espectador. Para quem vê de fora (leia-se, que não
seja argentino) mais do que o alastrar do vírus da política no seu
protagonista, fica-nos, de forma doce, algumas marcas históricas e
antropológicas de um povo e de uma cidade. Marcas que se ligam mais à forma de
olhar, de acabar uma frase ou uma conquista amorosa do que a uma ascensão ou
queda em busca de poder no vazio.
A
sessão de ontem da Sala 2 do Londres às 23:45 tinha gente a dormir. Faz sentido,
era tarde. Mas a maioria estaria provavelmente com aqueles sorrisos que
mantemos durante algum tempo quando alguém nos embaraça e não nos queremos
desmanchar. É que o filme a que se assistia ilustrava na perfeição aquilo que a
dada altura um polícia diz a outro quando, em noite cerrada, deixa seguir
caminho uma jovem que passeava num carrinho de bébé dois “reborns” (bonecos
hiper-realistas que parecem mesmo bébés), à berma da estrada: “Well, it is not
necessary to understand everything...”. É assim Totem da alemã Jessica Krummacher. O seu filme de fim-de-curso
(estudou na Munich Film School) é sobre a chegada de Fiona, uma empregada
doméstica, a casa dos Bauer, uma família burguesa alemã repleta de, hum...
idiossincracias. O marido que fica louco quando não encontra a sua t-shirt da
Ferrari, ou que prefere dar comida aos coelhos (ou salada de batata à empregada) a estar com a família. A esposa, na menopausa, frustrada sexualmente, busca
refúgio nos seus rituais no solário ou tratando do seu casal de reborns. Mas
ainda há mais: a “vizinha” que entra e sai dos planos como uma aparição
desnorteada, o cão de plástico, o cavalo partilhado da filha adolescente e por
aí fora. Esta verdadeira enxurrada de bizarrias, onde o filtro de sanidade
parece surgir pelos olhos de Fiona, não é, contudo, aleatório. Embora falte ainda
a Jessica controlar alguns ímpetos da sua linguagem cinematográfica, que já não
fazem parte da intenção inicial, percebemos essa desconstrução permanente da
ordem nórdica. A “normalidade da loucura”, o inverso do livro de Arno Gruen, que
a realizadora alemã quer trabalhar está sempre na linha entre a obscuridade
permanente que nos impulsiona para o filme, e a aleatoriedade que nos repele. Em
paragens próximas de Hundstage (2001)
de Ulrich Seidl ou Taxidermia (2006) de Gyorgy Pálfi, estamos curiosos para
perceber onde se vai instalar a intransigência desta germânica de inegável
talento para dirigir um discurso sobre a irracionalidade em potência na mais
profunda das ordens familiares.
É ao
terceiro filme que vemos da competição internacional de longas-metragens do
IndieLisboa que se afasta o espectro da frustração em virtude das obras até
aqui apresentadas. De Jueves a Domingo
da chilena Dominga Castillo é mais uma primeira obra mas desta
feita de surpreendente maturidade e subtileza. Uma última
viagem de uma família em desagregação investindo nos prazeres de um tempo
“analógico” em família (canções, jogos, conversas) tendo como subtil fantasma
esse gérmen da separação que passa ao lado do rapazinho mais novo e ao qual a
irmã está atenta. Este jogo de percepções dos mais jovens e das relações,
palavras e gestos encobertos dos mais velhos (o tesouro do argumento) só
funcionam porque Dominga Castillo sabe exatamente como colocar a câmara por
forma a captar aquilo que por comodidade chamaremos de “reserva da vida
privada”. Desde o plano inicial em que o pequeno é tirado da sua cama, ainda de
madrugada, para iniciar viagem, passando, por exemplo, pelo plano da relação da
esposa com um “amigo” que encontram, visto na penumbra, com a câmara na outra
tenda, a da família. Não raras vezes De
Jueves a Domingo é de uma justeza total no que filmar e sobretudo em como
filmar aquilo que é da qualidade própria do que pertence à intimidade. O plano
muito aberto no final é precisamente esse espaço dado àquelas pessoas, como uma
última oportunidade de viverem o que já não tem remédio. Claramente o melhor
filme em competição até este ponto.
Sem comentários:
Enviar um comentário