A
cada novo filme de Tim Burton há uma dúvida que começa a instalar-se: como
distinguir a recriação artística do mesmo tema como marca de autor e o
labirinto obsessivo e laxante de figuras que compõem um imaginário formal? Esta
nossa inquietação conduz-nos a uma outra: como sobrevive o autor de Nightmare Before Christmas no interior
de uma Hollywood que a cada pirotécnia audiovisual se expõe cada vez mais como
“máquina de impossibilidade” a mostrar a catástrofe sistemática da experiência
estética do cinema? Há que perceber que
a estética digital no cinema é ainda só um bebezinho a fazer “birras
estrondosas”. Ela apenas ainda tenta mimar esteticamente os mecanismos
fragmentários de (des)atenção do humano, com esse movimento incessante, rápido,
inebriante. Se o movimento está na base da e-moção, os próximos anos desta
estética perceberão necessariamente que essa emoção, pode ter como base
exterior um aturdimento visual, mas precisa de construir a sua dimensão
interior. O cinema neo-clássico ainda não consegue criar ficções que
reencadeiem politicamente o espectador. Resultado: nobody cares, yet.
Perante
isto, tudo é invadido de um “colesterol narrativo” que serve o efeito. Em Tim
Burton, perfeitamente imerso neste universo, o efeito é interessante. Isto porque
já desde o início da sua carreira que o norte-americano é sobretudo um
experimentador plástico, cromático, numa carreira de homenagem ao género
fantástico, aos ambientes série B, reescrevendo o seu imaginário gótico-familiar
(infantil?) por sobre essa herança. É mantendo essa sua posição de iconoclasta
que Tim Burton consegue “sobreviver” na paisagem mainstream como autor
munido do seu ator fetiche, Johnny Deep, que vai modelando, multifacetando como
rosto chave desta tarefa em continuum
de revisitação do imaginário fantástico. Neste árduo trilho de sobrevivência de
um “artesão”, Dark Shadows, para além de uma coleção interminável
de referências ao género, que vai deste Deep-Nosferatu a True Blood, e da premissa de choque e gag de um vampiro do século XVIII que acorda nos anos 70, pouco
tem a dizer. Ou melhor, toda a construção de cenários, da composição em
profundidade ou do esoterismo da representação (todos gozam muito,
especialmente Eva Green, com esta oportunidade de se ser “inteligente” no seio
de uma oportunidade desmiolada), que é o que é verdadeiramente “dito” em Dark
Shadows, surge acabrunhado nesse borrão narrativo que os envolve. O carregamento
energético de detalhes redundantes acabam por homogeneizar um bonito “bolo”
digital que parece a cada momento querer extrair as suas impurezas, isto é, a
presença humana. Os atores de carne e osso, por mais malabarismos que façam,
estão sempre em background como
presença incomodativa parecendo introduzir no sistema uma falha
incompreensível. Desta feita, a criação de ambientes parece transcender o
efeito da sugestão e funcionar como recreio para entreter as criaturas em que se tornaram os espectadores. No fundo, se são capazes de me perdoar a expressão, é como se
estivéssemos a ver um Tourneur só que explicado para atrasados mentais.
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