Sigo direito pela tarde barulhenta e de súbito uma palavra deixa-me cair
uma pedra por ali nos arredores do peito. Agora ando pesado pela rua,
angustiado, com as paredes de granito nas costelas, os muros cimentados à
cabeça e o vozear dos românticos caloteiros colados às pernas. Havia um tempo
em que os meus braços eram ramos de pereira de onde cagavam os passarinhos e os
soprares das trombetas navais me fazia flutuar o queixo acima do ar. Cada
ser-pessoa-tigre, com uma garganta em estado de funcionamento normal, oferece-me uma
náusea de brocado; as tabacarias estão cheias de morte mas a morte rebenta de
vida. Um pouco como o caroço dessa pera que pudesse tombar da árvore e que
alguém tomasse por sobremesa. Não há pedra que agora pise que não tome o gosto
de fronteira, tudo porta sem maçaneta ou janela sem postigo. Um arrepio de
calor ajuda-me a passear a angústia, a fazer-lhe festas no pelo como gato de
garras cravadas no exterior. Sempre no exterior, sem entrada USB onde conectar
o lombo e as palavras certas. Talvez seja, talvez… uma questão de montar um
jardim sem qualidades de estrutura, onde as plantas sejam indiferentes à luz do
ouro e às pessoas daninhas a habitarem-no de cartolas e gabardina para suportar o
peso deste meu empedrado peito. Desse jardim todas as pedras e as colmeias serão
cirurgicamente removidas, com um bisturi de solidão e um estojo da
canetas-tesouras-facas que escreveriam automaticamente “saída”, “entrada”, como
se apunhalassem a tarde ou a realidade. Tudo o que há para ver: uma pintura-massacre,
um duche de sangue, uma cascata dos justos, um punhado de pombos comilões junto
a uma fonte de bronze. No Natal talvez fosse permitido um concerto de luzinhas
amarelas e verdes, de tonalidade extremamente ridícula. Isto no caso de haver
Natal, pois podia bem acontecer que de um compartimento secreto e submerso da
fonte surgisse um ser que todos chamariam alienígena mas que seria apenas um
vento escondido na água, cujos reflexos enganariam a humanidade por um par de
olhos, um bigode e sobrancelhas nervosas. Esse vento-ser-alienígena teria tentado certamente uma conversa com a humanidade. E diria assim…
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