sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Certain Women (2016) de Kelly Reichardt

Há dois traços comuns no cinema de Reichardt: 1) o sentimento de uma certa melancolia associada a um relação especial das seus personagens com a natureza (a maior parte das vezes filmadas em longos e suaves planos pelas paisagens naturais do Estado de Oregon); 2) a importância dada aos pequenos grandes momentos do quotidiano, sem heróis aguerridos ou acções estridentes. Nos seus últimos dois filmes, Meek’s Cutoff (O Atalho, 2010) e Night Moves (2013), unidos entre outras coisas pelo tema da água (num convertido em busca física e metafísica, no outro o espaço que “aprisiona” a água, a barragem, é o que tem de ser derrubado), Kelly tenta o western e o ligeiro thriller ambiental como casas possíveis e agregadoras para estas suas preocupações.

Mas a suavidade da cineasta deixa-se conter mal por espartilhos. Assim, Certain Women, retoma, num total sentido de liberdade e comunhão com o espaço, as deambulações de Wendy and Lucy(Wendy & Lucy, 2008) e de Will Oldham e Daniel Londan em Old Joy (2006). Essa liberdade implica que as personagens principais das três histórias que Kelly filma se cruzem mas sem que se sublinhe a necessidade da rima própria de uma “poética do acaso”. Não. Esse encontro faz parte de uma mesma cadência da vida que se recusa a hierarquizar acontecimentos. Não por acaso os carros desempenham papel de ligação entre as personagens, como se toda a realidade não pudesse deixar de ser ela própria um road movie onde as coisas se encontram, sem acidentes aparatosos. Estas “algumas mulheres”  são como esses contos de Maile Meloy, a partir do qual a realizadora escreveu o argumento: um acidente de trabalho que dá azo a um acto de desespero; um monumento ao quotidiano que se constrói de pedra; ou um acidente em plena planície (onde não há contra o que chocar) e uma hipótese de amor por concretizar. Tudo a fazer sentido num 16 mm granulado e apaziguador, num cinema instalado no tempo que passa, sem sobressalto. Uma “vida sem drama” onde apenas flui o drama da própria vida. Soberbo.

Sem comentários:

Enviar um comentário