quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Frango à moda de Lynch


O que fazer quando estás na casa dos 20 e te dão 10.000 dólares para dar corpo à imagem da cabeça de um homem a cair ao chão e a ser apanhada por um menino que a leva a uma fábrica de lápis? Fácil. Realizas Eraserhead (No Céu Tudo É Perfeito, 1977), um delírio que puxa Gogol e Kafka da literatura, Cocteau e Bunuel do próprio cinema, e deixas toda a gente a pensar até que ponto não passarão a ver a tua imagem de marca (raccord de cabelo incluído entre o metteur en scène e o protagonista Jack Nance) como uma cabeça-borracha, que lentamente apaga o real para lhe reescrever o surreal. Mas o franguinho… foi o que me trouxe. Não há como esquecer esta cena. Bill vai jantar a casa da mãe do seu futuro filho (um ser viscoso e chorão meio ET sem perninhas, meio ténia solitária) e os frangos, “little damn things, smaller than fists”, é o há para papar. O chefe de família que tinha pincelado os ditos bichos na cozinha, enquanto a avó catatónica mexia a salada, tem um problema no braço e não pode cortar a carne. Cabe então ao nosso herói trinchar os bichinhos. Mal espeta o garfo a um, as patinhas começam a dar a dar, do seu interior sai um fio de sangue. A mãe tem um ataque que mais parece um orgasmo (o movimento das patas do frango tem algo sexual, como terá mais tarde o retirar de uma mala debaixo da cama no quarto de Bill) e Lynch filma o interior do frango, como um buraco de uma fechadura, esvaindo-se em líquido. Se não há como não perder o apetite depois disto, a cena antecipa o trinchar que aqui não chega a acontecer e só virá perto do final quando o pai “abre” o próprio filho. De olho aberto ficamos nós com a chegada de Lynch ao cinema, num momento tão poderoso como o famoso rasgar da retina bunueliano.


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