sexta-feira, 21 de julho de 2017

Csillagosok, katonák (Vermelhos e Brancos, 1967), de Miklós Jancsó,





“Csillagosok, katonák” (Vermelhos e Brancos, 1967), um dos mais conhecidos filmes do húngaro Miklós Jancsó, é uma espécie de pintura abstracta sobre a cretinice da guerra. Ouve-se várias vezes que é preciso “separar os brancos dos vermelhos”, isto é, os bolcheviques dos czaristas (estamos em 1919, na ressaca da revolução russa), mas percebemos que essa frase é uma ironia pois desde cedo que os longos planos-sequência do realizador tornam impossível separar os heróis dos figurantes, as vítimas dos carrascos, as valsas das execuções. Estamos portanto na modernidade, nas danças vagas dos soldados que cantam, que se separam por nacionalidades, andam a cavalo, brincam ao sadismo, fogem, violam, marcham ininterruptamente. A aberrante burocracia da bala e da guerra aporta-nos assim a um fresco indistinto de acções, a maioria das vezes onde a crueldade se encosta ao riso, como se assistíssemos ao adagio de Renoir ao inverso. O drama do mundo não é que cada um tenha as suas razões, o drama do mundo é que, em guerra, a “regra do jogo” permite que cada um prescinda das suas razões. Isto porque há uma coreografia de desnorte dos corpos e das mentes, que é preciso ser executada. Curiosamente, se o mosaico de Jancsó tem o condão de tornar a guerra abstracta para a poder despir de razões, já hoje acontece algo semelhante quando a guerra é filmada pelo cinema comercial. Escrevendo direito por linhas tortas hoje a guerra no cinema de acção é também ela abstracta, não porque haja que falar do seu absurdo (como no filme de 67) mas sim porque ela deveio puro vaudeville pirotécnico e entra no espectáculo do publicitável e sobretudo do jogável. As cores intensas, as explosões, a montagem fervilhante são ainda, como em Jancsó, um jogo. No seu filme escolhem-se os executores, atirava-se a moeda ao ar. Agora, importa que a guerra - que até se vai fazendo hoje sobretudo com o agitar de manípulos de consolas e drones - apareça no ecrã em sinédoque como aquilo que explode. Uma bomba audiovisual que com ele aniquila personagens, situações de drama e tensão. Se em “Csillagosok, katonák” as personagens saem de cena para mostrar a arbitrariedade da violência, hoje, no blockbuster bélico, as mesmas personagens desapareceram de cena para mostrar a arbitrariedade das imagens e sua construção. Além disso, sabemos como é impossível sentir o que quer que seja (a não ser o calor intenso antes da vaporização) no centro de uma bomba.

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