Ontem pela primeira vez na vida vi The Set de Robert
Wise e tenho 35 anos. A mesma idade de Stoker, a personagem de Robert
Ryan, um pugilista que já caiu demasiadas vezes ao ringue mas que
insiste que ainda pode vencer. A namorada só quer que ele desista pois
aquilo não é vida para eles. O meu umbigo insiste em chamar o filme para
junto de mim, como uma parábola sobre a vida. A perceber o final triste
como feliz. Stoker, que todos acreditavam que ia perder o combate
contra um jovenzinho de vinte e poucos, afinal não foi ao chão e venceu.
Velho demais mas era dele aquela última glória da perseverança. E
conseguiu-o sozinho, com a dor do banco vazio da namorada que nem o
combate foi ver. Mas o preço da vitória, por não ter cumprido a sua
derrota arranjada (até ao perder se tem um papel a cumprir), foi
esfacelarem-lhe a mão num beco sem saída. Stoker não vai poder lutar mais e, por isso, Julie
chora de alegria junto dele. Ela afinal venceu o combate do futuro, dos dois juntos para sempre sem os murros e toda aquela noite...
Mas assim como não precisamos de artistas
demasiado focados em si e que não olhem para o que os rodeia, talvez
também não precisemos dos espectadores amarrados aos filmes como
espelhos distorcidos. Afinal, o cinema serve para ver mais, não o mesmo,
no diferente. Por isso, é preciso passar além das tabuletas-aviso do
filme. Depois do genérico, Wise, com um plano de grua, aproxima da rua à
fachada no recinto onde os combates têm lugar: Paradise City. Mais
tarde podemos ver o nome do hotel onde Stoker e Julie estão hospedados: Cozy Hotel. Nomes idílicos e enganadores para tão ferozes lutas. Dois
ringues. Um de facto onde o pugilista veterano ainda consegue aparar os
golpes que o separam de um golpe derradeiro, de génio, de bilhete para um futuro grandioso tão imaginado; o outro, o ringue mais
sério, o do amor, onde Julie está prestes a ir ao tapete: Maybe you can go on taking the beatings. I can't...
Passar
além das tabuletas significa não opor demasiado estes ringues, não
conceder à parábola do paraíso, dos sonhos e do confortável uma
excessiva importância. Como dizia Hitchcock: se a vida não faz sentido
porque é que um filme há-de fazê-lo? Baralhando a lógica podíamos ficar
com o seguinte: com os planos do gordo que come sem parar ao assistir
aos combates, com a mulher com ar excitado e sanguinário que pede para
um combatente matar o outro, com um homem que faz sempre o mesmo gesto
como se estivesse ele no ringue. Estes são os habitantes habituais e voyeuristas dos
combates (da vida) de Stoker. É aqui que entra o cozy e esse
escândalo de poder conceber uma vida de derrotas feita. De ir, uma e
outra vez ao tapete, e de mesmo assim rejeitar a ironia da tabuleta, do
tapete da nossa casa. Paradise City pode bem ser o lugar onde vamos ao chão. Onde aprendemos a cair.
Excelente. Um abraço
ResponderEliminarObrigado Francisco. Um abraço :)
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