terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

39 Steps: a emoção como um movimento degrau a degrau

Para mim não restam muitas dúvidas que quem subir cronologicamente, degrau a degrau, a carreira de Hitchcock chega a The 39 Steps, sua 19ª obra, e pensa: não, ele nunca fez um filme tão bom como este. Talvez se fique com dúvidas em relação a The Lodger, The Ring, ou, admito mesmo, à segunda metade de Murder!, com uma brilhante aparição de Esme Percy, a antecipar o Hans Beckert de M no ano seguinte. Mas em 39 Steps tudo parece conjugar-se. O grande tema de Hitchcock — o homem inocente que toda a gente julga culpado — com as cordas do suspense e da surpresa a serem puxadas a bel prazer, surge complementado com a emoção do romance. Quando Hannay vai para a Escócia há uma sucessão de sequências exemplares dessa complementaridade. No comboio, o suspense de não ser detectado pela polícia com o beijo a Pamela, sua posterior companheira de fuga e de algemas. Como em The Lodger ou Number Seventeen as algemas são o anel que força, o objecto que obriga à junção de contrários, muitas vezes até descobrirem que não são tão contrários. O último plano do filme mostra isso, a algema real que deu lugar à algema emocional, que se torna evidente quando o par dá as mãos. Depois de se escapar, a cena já em terras escocesas na noite em que, a caminho de Alt-na-Shellach, pernoita na modesta casa de um agricultor. Aqui o suspense continua com a chegada eminente da polícia, mas vai além com o flirt entre Hannay e a esposa do dono da casa, mulher muito mais nova. Terceira sequência: chegada a casa do Professor Jordan com dois momentos seguidos de surpresa. Ele, que era suposto ser o homem que o iria auxiliar a esclarecer a sua inocência em relação à morte de Annabella Smith, é afinal o homem sem parte do dedo mendinho, o alemão responsável por roubar os planos secretos britânicos. Jordan dispara sobre Hannay e, segunda surpresa, já nas instalações da polícia percebemos que sobreviveu, pois um livro de hinos religiosos no bolso do casaco (pertencente ao agricultor e que a sua esposa lhe deu para fugir durante a noite) aparou a bala. Na polícia não acreditam na história dele e volta a ter de fugir, assim sempre. Ao contrário de North by Nortwest, que tem semelhanças de argumento incríveis (por exemplo, a cena do comício político é muito semelhante à do leilão no filme de 59) aqui parece não haver espaço para a respiração. A respiração é dada pela amor e humor da relação de Hannay com as mulheres: primeiro com a espia, depois com a esposa do agricultor, e, finalmente, a única que não acredita nele, aquela que ele vai ter de dominar e algemar, a personagem de Madeleine Carroll.

39 Steps é mesmo uma escada que se sobe emocionado e ela é um bom exemplo de movimento. O filme termina com a revelação do segredo de Estado britânico mas isso já não interessa. Os segredos ficam a meio, alguém tem de os memorizar mas não nós... São cenoura para fazer correr os espectadores e personagens. Curioso ou não num filme onde as emoções e motivos das personagens são concretos, o conteúdo desses mesmos motivos não interessa, é abstracto. Precisamente o inverso de muitos filmes hoje feitos com mundos e fundos. Emocionalmente inertes mas com um argumento super pormenorizado, com viagens no tempo, saltos para dentro de sonhos, dimensões à la carte. Filmes muito concretos, hiper-realistas, que fazem da emoção um mero detalhe abstracto. Exactamente, o movimento inverso da obra prima de Hitchcock que concretiza a emoção numa série de peripécias redondas e abstractas. Não é por acaso que se costuma dizer que a felicidade não é a meta, é o caminho. Esse caminho pode ser uma escada, um súbito amor, uma inesperada luta pela sobrevivência...

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