E pronto encontra-se água em marte e tomem lá um filme sobre marte,
desconfia-se, tudo parte do mesmo pacote, e escavam-se os méritos do
filme, uma suposta série B (mas onde? só se for na temática, de resto é
tudo bem A), dá-se um chega para lá no romantismo de Interstellar (como
se a lição final de Damon aos seus alunos não fosse da mesma fornada do
follow your dreams, vence as dificuldades, you can do it...) e depois fica-se com uma coisa mais ao menos anódina que se
destina a fazer salivar os românticos da ciência, lets science the shit out of this
(vejam lá como é que aquele MacGyver..., lá tão longe... tá muita boa,
grandes engenhocas) e a mostrar de forma tão realista, credo, os
meandros da NASA. Como se os meandros que vemos não fossem iguais aos
meandros de quase todas as grandes organizações estatais do pós guerra
americano, que tendo um propósito lícito, se emaranham em egos, lutas de
poder e outros... Mas tudo isto não é o pior. O pior é que sob a
premissa de se estar numa situação tão estrangeira, tão virgem (como diz
Damon ele naquele planeta era o primeiro a fazer tudo, a subir uma
montanha ou outra coisa qualquer) esse olhar supostamente inaugural seja
desperdiçado num atmosfera tão carregada de pessoas que observam,
sentem pena e estão quase desde o início sempre a comunicar com o
"marciano". O filme apregua a virgindade mas tem uma mise-en-scène
fodilhona, que não confia no silêncio, na solidão, onde todas as acções
têm de ser confirmadas pelas câmaras do capacete, dos carros espaciais,
do vídeo diário de Damon, da CNN, dos ecrãs gigante da transmissão em
directo dos seus feitos. A "história a acontecer" não tem por isso o
espaço da discrição e fica-se com a sensação que Damon está a pôr em
actuação uma sucessão de números científicos para terráqueo ver (do
ponto de vista do leigo podiam ser estes ou outros quaisquer) e que
sobreviver em Marte é igual a sobreviver em alto mar ou na Baixa da
banheira num dia de mau tempo. Neste sentido, The Martian faz pelos astronautas aquilo que se fez com a guerra no Iraque: vender às pessoas experiências de dureza e de solidão como jogos de níveis (aqui não é a excitação como em Nolan mas é a estratégia) onde tudo é espectacular e aventuroso.
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