segunda-feira, 12 de outubro de 2015

In memoriam Chantal Akerman


Desde este lugar só, que habitava (e a partir do qual compreendia todo o mundo, sem prossivelmente se compreender), há todo um trajecto claro que parte do enclausuramento nas casas [Saute ma ville (1968)], quartos [La Chambre (1972)], lares de família [Jeanne Dielman, 23, quai du commerce, 1080 Bruxelles (1975), aqui fazendo explodir, abrir, mecanizando à exaustão os espaços da rotina da mãe-criada-puta] passando aos hotéis [em Hotel Monterey (1972) o impulso documental mostra já uma das suas outras marcas: a impotência/segurança de ver nos seus planos os exteriores a partir dos interiores] e outros espaços abertos [por exemplo em Les rendez-vous d’Anna (Os encontros de Anna, 1978) a protagonista “salta” de cidade em cidade, festival em festival, mantendo sempre esse “fechamento emocional” com os outros]. Com D’Est (1993), filme fundamental, a observação de Akerman atinge o seu zénite criativo. Pode dizer-se que ele é um filme de viagem, exterior, mas dando a ver a interioridade dos espaços de fronteira na Ucrânia, Polónia e Alemanha de Leste. Essa interioridade são os rostos fechados e curiosos dos que esperam, e nisso D’Est é a construção de um “monumento político ao olhar dos povos”, mas é  também a capacidade de criar uma abertura no espectador, para ver nestas esperas, nestas pessoas, o espaço de construção das suas próprias expectativas. Quer dizer, afinal Chantal Akerman saiu à rua e descobriu que o exterior pode estar fechado mas que os rostos fechados são as telas de construção de uma abertura qualquer. Paradoxo fundamental de uma cineasta que parte agora, saindo do seu enclausuramento tortuoso, deixando-nos uma obra que sempre escavou todas as aberturas de que necessitamos quando queremos exercer esse dom chamado “liberdade.”

Sem comentários:

Enviar um comentário