Guillermo del Toro é um homem engenhoso. Não apenas como cineasta
construtor de mundos fantásticos e personagens dantescas com rabinhos e
unhas crescidas, mas também pela forma como evita esses outros monstros
chamados circunstancialismos de produção. Neste Crimson Peak o verdadeiro fantasma real é Ghost
de Jerry Zucker, mais concretamente na ameaça de certas cenas do
romance entre Tom Hiddleston e Mia Wasikowska terem o dever de rever os
sustos do filme com uma mãozinha no ombro da menina no cinema. Entre o
susto e o beijinho, a produção de Crimson não desdenha um lento resvalar da argila sanguínea ao barro meloso de Demi Moore e Patrick Swayze.
É precisamente nessa linha de impedimento, para uma coisa não descambar
na outra, que del Toro trabalha, com a inteligência de pôr os meios
materiais ao serviço da sua vivacidade criativa. Aqui é a recriação do
gótico em todo o seu esplendor: nos candelabros, na casa da colina
vermelha como ninho mais vivo e excitante que as próprias personagens,
no belo e longo cabelo de Mia, nos soprares arrepiantes e
existencialistas dos fantasmas como reflexos dos traumas interiores.
Mesmo nos cãezinhos capazes de distinguir muito bem o que é de cada
mundo.
Nessa recriação reconheço a mão firme, fico agastado com
dois terços do filme com um esquema narrativo chato e previsível e, por
fim, a ideia recorrente do gótico: os fantasmas existem mesmo. Entre
Barba Azul e Rebecca, Del Toro adianta a hipótese de o cinema,
fantasmático por natureza, se pôr a explicar a "carne" das assombrações"
como daltonismo num filme cheio de vermelho e branco, de um fantasma
como alguém preso a um passado que desmaterializa o seu corpo para ficar
lá atrás no que já viveu mas não conseguiu processar.
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