terça-feira, 20 de outubro de 2015

The Lodger: uma geometria dos afectos

"The Lodger: a Story of the London Fog" de Alfred Hitchcock

Se existisse um raccord entre The Pleasure Garden The Lodger: a Story of the London Fog ele poderia ser o da madeixa loura de uma bailarina de cabaret e de uma modelo. No primeiro filme ela nem era loura, no segundo era mesmo e foi o génio de Hitchcock quem fez questão que as madeixas douradas de Daisy fossem um motivo de obsessão do vingador estripador. O assassino gostava de louras, não porque estivesse na peça original mas porque Hitchcock relacionava o alvo ao perverso e a mulher do norte da Europa aos píncaros do êxtase masculino. Mas isso talvez até passe despercebido porque a cor e o louro aqui são factos menores em comparação com a forma circular dos belos caracóis da rapariga. Conflito de geometrias? The Lodger é um filme sobre a transmutação dos afectos numa espécie de geometria das formas. O símbolo do vingador é um "afiado" triângulo, assim como é triangular a relação entre Daisy, o polícia Joe e the lodger. Essa relação triangular é contrastada pela circularidade da obsessão (no seu filme seguinte, Downhill é a vez do rodar do disco na cabeça do protagonista, girando todas as figuras da sua obsessão quando Roddy está doente), movida pelos caracóis do cabelo de Daisy (To-night Golden Curls é o inter título hipnótico do cabaret e do isco do vingador) ou "desfeita" pelas  algemas de Joe ou pelo anel que este quer oferecer à sua noiva. O circular é essa capacidade de prender um dos lados do triângulo, de o assegurar só para si, eliminando, como em The Pleasure Garden, que se passe de um vértice a outro do triângulo num esquema de traição.

Depois diga-se que The Lodger é um filme sobre a anatomia dos corpos que se tocam: o prazer pecaminoso da proximidade dos planos nos abraços e beijos de Ivor Novello e June a dizerem-nos que a carne ora pode ser tocada, ora pode ser cortada e que esse "suspense" é a mecânica do eros e do thanatos

Tinha falado de génio para qualificar Hitchcock mas não era um adjectivo vazio. Era por isto: Novello não podia ser o mau da feita, era o menino bonito das adolescentes britânicas e tinha de ser o herói. Em vez de manter-se firme na sua opção, Hitchcock não foi de modas: não só esculpiu da necessidade o que viria a ser um dos seus temas habituais, o do falso homem culpado (ao qual aqui lhe subjaz uma certa "pedagogia do olhar" e a aprendizagem de que "as aparências iludem") como lhe deu uma chapadinha subtil. Queres ser o herói, pois serás o maior dos heróis. O Cristo cruxificado, imagem forte no final de The Lodger, com Novello a ser salvo de um linchamento e de uma multidão em fúria no último minuto. Preso pelas mãos, com as algemas encaixadas na grade de um jardim como um cristo numa cruz de madeira. Se isto não é fazer das fraquezas forças, eu não sei o que é...

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