"The Lodger: a Story of the London Fog" de Alfred Hitchcock |
Se
existisse um raccord entre The Pleasure Garden e The Lodger: a Story of the London Fog ele poderia ser o da
madeixa loura de uma bailarina de cabaret e de uma modelo. No primeiro filme ela nem era loura, no
segundo era mesmo e foi o génio de Hitchcock quem fez questão que as madeixas douradas de
Daisy fossem um motivo de obsessão do vingador estripador. O assassino gostava
de louras, não porque estivesse na peça original mas porque Hitchcock
relacionava o alvo ao perverso e a mulher do norte da Europa aos píncaros do
êxtase masculino. Mas isso talvez até passe despercebido porque a cor e o louro aqui são factos menores em comparação com a forma circular dos belos caracóis da rapariga. Conflito de geometrias? The
Lodger é um filme sobre a transmutação dos afectos numa
espécie de geometria das formas. O símbolo do vingador é um "afiado"
triângulo, assim como é triangular a relação entre Daisy, o polícia Joe e the lodger. Essa relação triangular é
contrastada pela circularidade da obsessão (no seu filme seguinte, Downhill é a
vez do rodar do disco na cabeça do protagonista, girando todas as figuras da
sua obsessão quando Roddy está doente), movida pelos caracóis do cabelo de Daisy
(To-night Golden Curls é o inter título hipnótico do cabaret e do isco do vingador) ou "desfeita" pelas algemas de Joe ou pelo anel
que este quer oferecer à sua noiva. O circular é essa capacidade de prender um
dos lados do triângulo, de o assegurar só para si, eliminando, como em The Pleasure Garden, que
se passe de um vértice a outro do triângulo num esquema de traição.
Depois
diga-se que The Lodger é
um filme sobre a anatomia dos corpos que se tocam: o prazer pecaminoso da
proximidade dos planos nos abraços e beijos de Ivor Novello e June a dizerem-nos
que a carne ora pode ser tocada, ora pode ser cortada e que esse
"suspense" é a mecânica do eros e do thanatos.
Tinha
falado de génio para qualificar Hitchcock mas não era um adjectivo vazio. Era
por isto: Novello não podia ser o mau da feita, era o menino bonito das
adolescentes britânicas e tinha de ser o herói. Em vez de manter-se firme
na sua opção, Hitchcock não foi de modas: não só esculpiu da necessidade o que viria a ser um dos seus temas habituais, o do falso homem culpado (ao qual aqui lhe subjaz uma certa "pedagogia do olhar" e a aprendizagem de que "as aparências
iludem") como lhe deu uma chapadinha subtil. Queres ser o herói, pois
serás o maior dos heróis. O Cristo cruxificado, imagem forte no final de The
Lodger, com Novello a ser salvo de um linchamento e de uma multidão em fúria no último minuto. Preso pelas mãos, com as algemas encaixadas na grade de um jardim como
um cristo numa cruz de madeira. Se isto não é fazer das fraquezas forças, eu não sei o
que é...
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