"Envelhecer não é uma guerra. É um massacre". Citação de Everyman de Philip Roth lida aqui em
mais um texto brilhante do Rogério Casanova apanhado agora a destempo. É
este massacre que vemos no rosto das pessoas quando o corpo decai,
tragédia amplificada pelo corpo do actor que multiplica por profissão os
espelhos e promontórios em sua volta. Em 1924, Emil Jannings, atingido
pelo tempo, foi despromovido no filme de Murnau, Der letzte Mann,
de porteiro símbolo da fachada de um importante hotel ao anonimato das
catacumbas das WC's. Essa "chute", o cinema filmou-a, sobretudo no caso
dos actores, temperando a nostalgia com a incapacidade de lidar com o
fim. Como ditadores de um país só seu recusando-se a renunciar ao poder,
os actores em queda tornam-se cegos ao movimento descendente e
reafirmam-se a todo o tempo "ready for their close up".
Birdman (2014) de Alejandro González Iñárritu |
Nestes termos o filme de Iñárritu, Birdman,
limita-se a imaginar, entre o super-realismo dos tiros muito
explicadinho e o realismo mágico de asas demasiado soltas, esse dilema
visto de uma outra escala geométrica. Se Jannings tinha o seu "céu" nas
portas giratórias da fachada do hotel, Michael Keaton teve o seu céu no
céu. A "superheroização" do cinema, aqui semi-desculpada por Roland
Barthes que não se sabe em que filme entrou, apenas ironiza o problema.
Percebemos: maior é a decadência daquele que agora recorda os tempos de
ouro em que era um super-homem. Mas contrariamente a Jannings que vê no backstage a perdição, Iñárritu
quer fazer da cave (o teatro) um local de desesperado re-começo,
invertendo as escalas. Entre os céus e as catacumbas vem o espaço da
transição e da deambulação enfeitado da percussão constante de Antonio
Sanchez na banda sonora que prepara os diálogos-rap da trilha de
Keaton-Norton-Galifianakis-Watts, sobretudo estes.
Algures
nesse caminho do viajante solitário em busca de um reviver do passado
como presente há uma desordenação que chega no backstage do teatro como
nos corredores de um hotel perdido nas montanhas (The Shining), como um espaço de crime em continuidade cometido contra a psyche (The Rope) em plena Time Square de cuecas. Se exteriormente vamos todos voltar a viver este ano com Michael Keaton o que já tínhamos vivido em 2009 com Mickey Rourke
numa daquelas dobras de piscar o olho da história, o jogo das
geometrias do passado e da passagem do tempo faz-se de forma inédita.
Honestidade que acomoda as citações de Carver, Shakespeare, Flaubert,
por aí fora, mesmo nos diálogos mais simplezinhos com a crítica maléfica
e o actor salvífico.
"Not
ideas about the thing but the thing itself", a citação do início no
espelho de Riggan não serve tanto expulsar as ideias que possamos ter em
relação a Birdman mas mais para sublinhar que, ao contrário do
discurso paternalista e multi-cultural de Babel por exemplo, há por aqui qualquer coisa de "in
itself" além do super filme sobre a decadência ou da decadência de um super-herói.
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