terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

A good filmmaker/writer is hard to find


Passei o dia de ontem a rever L'argent, o último Bresson, e acabei de ler The Violent Bear It Away da Flannery O' Connor. Sobre o filme que adapta um conto do Tolstoy fala-se muito da transição do cineasta em final de vida (ou melhor, de carreira pois ainda viveu quase mais vinte anos, até aos 98) de uma visão dostoiévskiana de uma vida terrena como preparação para um depois, para um olhar de socialismo terreno e organizado cara ao autor de Guerra e Paz. A minha vida pequenina torna-me antes susceptível a reparar como o método de Bresson, pelo alinhavar sucessivo de pequenos indícios, contém em si uma dimensão de revelação que O'Connor esculpiu nos seus romances. O surgimento de algo por vir que faz queimar todo o presente sob a forma de uma sarça ardente ou de uma súbita cegueira. Em The Violent a cegueira de Motes do Wise Blood dá lugar à surdez do professor. Para Yvon, o pequeno funcionário de uma companhia petrolífera tornado assassino por uma injustiça envolvendo uma nota falsa, os crimes são surpreendentes apenas para quem não observar os sinais (religiosos, da circulação monetária e dos valores morais). Mas ante um olhar atento esses crimes são um resultado lógico e intransigente. Tão intransigentes quanto a maldade de Misfit do conto A Good Man Is Hard to Find ou a certeza teimosa do jovem Tarwater. É exagero dizer que Bresson se baptiza nas águas sacrílegas da prosa de O'Connor mas ambos partilham essa distância que vai da evidência das acções duras de quem está (ou fica) predestinado e o súbito vagar da contingência.

(Por exemplo, não me agrada que a personagem do professor em The Violent fique "presa" na segunda parte do livro e não se escape para o clímax. Fico um tanto desiludido que tudo não tenha passado de uma bebedeira de um "falso violento". Mas nunca saberei se o que sinto é ele mesmo fruto da contingência ou da predestinação.)

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