quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O BALDE

O coração atropelava os restantes vegetais numa corrida impossível pelo fim dos nossos dias. As bandeiras arrebatadas e os muros de palavras traziam o quintal como um quadradinho apaixonado. Em linhas rectas, em lutas ancestrais, o sinal, a um canto, desbotado, apodrecia. Os varais falavam de roupa ao vento aos pássaros que de tudo sabiam já. As formigas tamborilavam nas folhas como numa ode ao interminável. O “intermédio” sentia-se em casa, tinha pena da luta dos apaixonados e dos saquinhos de milho que explodiam dos olhos dos espantalhos. Apaixonei-me por um espantalho. “Brutaliza-me”, respondia-me, não me olhando no olhos. E sempre que o vento demorava um pouco mais a responder-me também pensava que já não me queria. Que já o tinha perdido, que não me amava, que me achava um saco de carne amorfa, pronto ao desinteresse.
Dentro do dia, havia velocidade para disparar os cheiros das coisas. Eu fiquei sentado, também eu a apodrecer, também eu tabuleta. O fim é por aqui, podia ler-se. Os vizinhos sentavam-se nos cantos opostos, a mirar o intermédio, com pautas nas mãos e cabelos brancos nos cabelos. Dobrado, irrequieto, puxava as mãos grossas, revolteando a terra. Encontravam-se corações já usados, com bolor, roídos pelo Inverno. Aos poucos, o balde ia-se enchendo. A terra envelheceu num minuto e os desgostos eram caimbras do coração. O coração atropelava também as paredes orgulhosas. Perderamos o chão por de cima de nós e ninguém já morava ali. Nem os pássaros moravam neles próprios. O que não era ainda amarelo sonhava em sê-lo. As únicas manchas brancas do quintal tinham a beleza apontada a elas.
Fui feliz.
A saída era aqui, dizia a tabuleta cravada no último coração. Alguém pegou no balde e levou-o para dentro de casa. Amanhã será dia de trabalho, ainda.

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