É difícil sair ileso de "Auch Zwerge haben klein angefangen" do Herzog. Em português, "Também os Anões Começaram por Baixo". Os risos intermináveis do bando de anões, inquietos e sádicos, toda aquela demonstração dionisíaca com a crucificação do macaco, o lançamento das galinhas, as flores a arder, ainda a imagem símbolo do carro a andar em círculos. Herzog queria filmar uma ideia - normalmente é meio caminho para a desgraça - do desajustamento do mundo em relação ao humano (somos todos anões, à nossa maneira, dizia). O mundo sempre é gigante, nos supera e trai e, por isso, reagimos de forma desorientada, impotente, cruel. E o mesmo com a natureza e o mundo animal. Assim seja. Por esta altura já Herzog havia sido mordido por ratazanas na cara e sabia do assunto.
O filme foi sobretudo atacado por ser apolítico, Maio de 68, Baader-Meinhof, a comunidade do cinema exigia-lhe uma posição firme. Mas é interessante ver como olhar hoje para este filme de Herzog mostra bem a inversão de todas as intenções. Tudo saiu furado. É verdade que o alemão queria fugir dos activismos, mas todo o "plot", mínimo, é precisamente o de um bando que procura a invasão de uma casa e a sua própria evasão. Os planos prolongam-se sobretudo nos momentos de insurreição e de libertação de uma energia de revolução. Já, pelo contrário, o que estava certo, esse manual de proporções com o mundo, essa lição de crueldade, é hoje, passados 50 anos, na sua ideia de mise-en-scène, ofuscada por uma atmosfera de pura provocação. Um levar aos limites do mal-estar, um subtil fascínio pelo mal, uma vontade de filmar o horror, seja na galinha que carrega o rato morto no bico, ou os planos obsessivos da galinha manca. Feitas as contas a "perífrase" de "Também os Anões Começaram por Baixo" podia bem ser: "Freaks" + "Torre Bela". Mas não é completa. "Funny Games" seria, por exemplo, uma forma de demonstrar o Haneke que há no jovem Herzog, nomeadamente no seu comprazimento em mostrar aquilo que nos faz querer desviar o olhar..
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