"Se eu tivesse o engenho
de Cervantes, faria um livro para purgar a Itália, ou antes, todo o mundo
civilizado – como ele purgou a Espanha da imitação dos cavaleiros errantes – de
um vício que, tendo em conta a mansidão dos costumes actuais, ou talvez até em
todos os outros casos, não é menos cruel nem menos bárbaro do que qualquer
outro vestígio da ferocidade dos tempos medievais punido por Cervantes.
Refiro-me ao vício de ler ou declamar aos outros as próprias composições: vício
que, sendo antiquíssimo, nos séculos passados foi uma desgraça ainda tolerável,
porque rara: mas hoje, que todos escrevem, e não há nada mais difícil do que
encontrar quem não seja autor, tornou-se um flagelo, uma calamidade pública,
uma nova tribulação da vida humana. E não é gracejo, mas a verdade, dizer que
para este os conhecidos são suspeitos e as amizades perigosas, e que não há
hora nem lugar onde qualquer inocente não deva temer ser apanhado e submetido
aí mesmo, ou arrastado para outro sítio, ao suplício de ouvir prosas sem fim ou
versos aos milhares (…)”
Giacomo Leopardi
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