sábado, 10 de agosto de 2019

"Bob & Carol & Ted & Alice" de Paul Mazursky


A primeira longa de Paul Mazursky, Bob & Carol & Ted & Alice, de 69, é um filme que procurava abordar a questão do sexo de forma adulta e frontal. Como se dizia no workshop, que as personagens de Natalie Wood e Robert Culp frequentam no início do filme, era preciso olhar as pessoas mesmo na cara, não desviar o rosto. A mesma coisa com os affaires da carne, os apetites. Basta pensar no rosto impassível do psiquiatra perante o discurso cheio de vergonhas e evasivas de Alice (Dyan Cannon), ou a forma como o filme termina, daquela forma meio surreal, à saída de um casino - orgia meio conseguida ou meio tentada - com os dois casais olhando-se e olhando desconhecidos olhos nos olhos, enquanto ouvimos Jackie DeShannon cantar, do clássico de Burt Bacharach/ Hal David: "What the world needs now is love, sweet love / It's the only thing that there's just too little of".

Neste belo texto do Francisco, sobre um filme posterior de Mazursky, Blume in Love, ele faz uma distinção importante entre ligeireza e leveza. Mazurky consegue ser leve, sem ser ligeiro. Aliás, talvez também esteja numa distinção deste tipo a possibilidade de compreender a posição do realizador entre a seriedade e o peso de Bergman (Cenas de Uma Vida Conjugal só surgiria em 73, mas não há como não pensar na ligação/contraste entre a fisicalidade leve de Elliott Gould (o Ted) e a presença solene de um actor como Erland Josephson, nas "cenas de cama") e a ligeireza, pelo menos em termos de uma maior exposição do seu humor, em algumas das comédias sexuais de Woody Allen. Bob & Carol & Ted & Alice é a manifestação desta leveza, em que dois casais descobrem a possibilidade de uma abordagem mais franca da sexualidade, sem que isso tenha um peso trágico necessário ou que o riso contorne as questões. Aliás, sendo um filme de chambre, as suas cenas no exterior, algo bizarras, fazem essa transição, nada ligeira, entre o início e o fim do filme: que é como poderia dizer entre o início dos anos 60, com suas ideias new age, muitas vezes rotuladas de excêntricas ou "de época" (a cena do workshop) e o final dos anos 60, trazendo essa franqueza para aos quartos dos norte-americanos e as ruas citadinas (a já referida cena de fim). Coming of age de uma new age, de certa forma.

E, além disso, há outro pormenor importante. Não sabemos nunca se os casais trocam de facto, se a orgia entre os amigos de longa data acontece. Mazursky prefere antes a potencialidade de uma outra lógica relacional, sem que queira impor uma moral, aberta ou fechada, às suas personagens. Não é por acaso que, como também se refere no texto do Francisco, este seja um cineasta tão permeável ao cinema europeu que se fazia. Há Fellini, há Bergman, há o ennui burguês de Antonioni, mas também há Rohmer . Ma nuit chez Maud é do mesmo ano de Bob & Carol & Ted & Alice. E ambos são filmes-conversa, filmes interiores, que cruzam o sexo entre as personagens. Ou melhor a possibilidade do sexo. O que significa que Mazursky e a sua leveza não têm bem definido um destinatário, nem um dono, e talvez por isso ainda hoje se mantenha aqui connosco, em potência de amor, em potência de foda.

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