O tema deste mês da sopa de planos foram as nuvens:
Tentar escolher um plano de nuvens de Wings (Asas,
1927) de William Wellman é coisa tão ingrata como cometer a mesma
loucura com a pintura de Turner. Talvez o mesmo caos romântico, o mesmo
medo do utilitarismo e da devastação racional trazida pela guerra,
ajudem a explicar o paralelismo. Hesito entre as imagens dos céus
enevoados, cortados a meio pelo voo em bando dos
aviões-pássaros-de-metal, e os planos das “pinceladas” dos aviões em
chamas, em queda livre, esborratando com o fim eminente as esborratadas
nuvens. Hesito tanto que acabo por escolher nuvens mais homogéneas, com
os aviões dos nossos heróis e amigos, lado a lado, David e Jack. O
primeiro vai morrer e por embaciamento da visão do segundo. O plano já
mostra esses aviões negros sobre as nuvens brancas como duplas cruzes
que avançam no céu. Jack nunca soube ver, por entre o gasoso das nuvens e
os eflúvios borbulhantes do álcool, quem o amava de verdade. Por isso
não vai reconhecer o amigo, pois este pilota um avião alemão, nem vai
perceber que é Mary (Clara Bow) a mulher que por ele espera. Já David
soube aprender a lição do colega Gary Cooper que sabia que morrer era
uma coisa que nem os amuletos da sorte podiam evitar. Filme de ar, de
gases — nuvens, bombas, fumos, borbulhas de champagne — mas também de
pesos, de matérias da terra. O corpo do soldado interpretado por Willam
Wellman a cair morto com um cigarro na boca, a imobilidade do pai de
David, peso na cadeira de rodas, e os corpos carregados, caídos, e,
finalmente, a câmara nas trincheiras a filmar as lagartas do tanque a
passar por cima do buraco por onde vemos. As nuvens de Wings
têm qualquer coisa de destino trágico pintado pelos deuses, mas também
algo de sonho leve, doce e fantasmático. O plano que melhor o ilustra
aqui não está para muita pena minha. Mas descrevo-o: é aquele em que
vemos na terra os soldados alinhados a perder de vista, a caminhar em
direcção à negra sombra da guerra, e nos céus, “projecta-se” o filme do
futuro que os aguarda, as histórias de batalha para os quais se dirigem.
The sky is the screen.
Leiam aqui as outras escolhas.
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