Quem pode falar em nome dos pobres? Quem pode descrever o que é sentir o frio a entrar pelas frestas da casa mal iluminada?; o buraco na sola da bota quando, noite ainda escura, nos pomos a caminho do trabalho?; ou o vazio no estômago depois de darmos a única comida que sobra no frigorífico aos nossos filhos?; e a alegria de ter uma breve nota a mais na carteira no final do mês?
Quem pode falar em nome dos pobres? Os
ricos podem falar dos pobres mas não sabem nada. Os pobres podem, de
facto, falar dos pobres. Mas onde se fincam essas palavras num papel que
não se desmanche pela chuva e pela lama? Onde chegam tais
palavras de fome e de riso desfigurado? Os artistas podem, de facto, falar dos pobres, mas a partir de
que momento são os encantos da sua graça, uma exploração, uma escadinha
pessoal e astuta para escapar dessa mesma pobreza?
Dostoiévski escreveu sobre os pobres. E no seu primeiro romance, Gente Pobre,
escrito em 1846 com apenas 25 anos, ele não deixa de mostrar o seu
estilo. Pela voz de Varvara Dobroselova e Makar Devushkin, personagens
principais que vivem defronte um para o outro e trocam cartas e mimos,
o autor goza com a má literatura russa da época e enaltece Gogol e Pushkin. No
final do livro Dostoiévski já era a nova "estrela" da literatura russa.
Mas isso não impediu de nos mostrar a pobreza como uma circularidade
epistolar infinita entre as pequenas e as grandes tristezas/alegrias.
Um presente infinito, sem perspectiva de fuga, além do remendo no
casaco, do remendo na barriga, do remendo na dignidade quando um outro
pobre nos possa dizer o quão pobres, afinal, somos.
Eu não sei quem pode falar em nome dos pobres, e isso, não sei, deixa-me mais pobre.
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