quinta-feira, 2 de julho de 2015

Igrejas e Bordéis

"A igreja e o bordel chegaram ao mesmo tempo ao Oeste. E ambos teriam ficado horrorizados se soubessem que não passavam de diferentes facetas da mesma necessidade. Porque, na realidade, ambos pretendiam alcançar o mesmo fim: os cânticos, os ritos, a poesia da igreja ofereciam ao homem o esquecimento da sua tristeza; o bordel, esse, oferecia-lhe outros esquecimentos. As diversas seitas chegaram de cabeça levantada, cheias de suficiência,e seguras da sua missão. Desprezando as mais simples leis económicas, mandaram construir igrejas que ainda não acabaram de pagar. Combatiam o mal, é certo, mas também se combatiam umas às outras com um vigor diabólico. Em nome duma doutrina, não havia nenhuma que não condenasse as outras às chamas do Inferno. Só numa coisa estavam de acordo: todas se gabavam de Serem fiéis intérpretes das Escrituras que definiram anossa estética e as nossas relações com os outros humanos. Seria necessário um homem sagaz para descobrir onde residiam as diferenças entre as seitas, mas toda a gente podia ver o que elas tinham de comum. Todas ofereciam a música, talvez não a melhor, mas qualquer coisa que dela tinha a forma e o som. Todas traziam, também, a consciência ou talvez fosse preferível dizer que aguilhoavam as consciências adormecidas... Não eram puras, mas possuíam um potencial de pureza como uma camisa branca que estivesse suja. E todos os homens se podiam apoderar do melhor para o fazer germinar em si. Quando o Reverendo Billing foi preso, verificaram que era ladrão, adúltero, libertino e zoomaníaco, mas isso não alterava o facto de ele ter comunicado muitas coisas boas a um grande número de fiéis. Prenderam o Reverendo Billing, mas o que nunca prenderam foi o que ele tinha libertado. E pouco importa que ele tenha obedecido a intentos impuros. Os seus materiais eram bons e o que ele construiu ainda se conserva de pé. Apenas cito o caso de Billing como um exemplo extremo. Os pregadores honestos tinham energia e eram dinâmicos. Combatiam o mal e expulsavam Satã de todos os lugares onde se introduzira. Poder-se-á talvez dizer que cantavam a verdade e a beleza da mesma maneira que uma foca canta o Hino Nacional ao som das cornetas dum circo. É possível mas ainda sobravam beleza e verdade bastantes e o hino era reconhecível. Contudo, as seitas fizeram mais do que isso. Criaram as bases da vida mundana no vale do Salinas. O jantar no presbitério é avô do clube local e as sessões poéticas que se realizavam à terça feira na cave da sacristia apadrinharam o teatro.
 
Enquanto as igrejas, carregadas do suave odor da piedade, investiam como ajaezados e impetuosos cavalos de cervejaria em dia de festa, a sua parente pobre entrava com pezinhos de lã, toda curvada e velada, para evangelizar os corpos. 

Talvez já tenham visto palácios de vício e de deboche no Far West truncado e artificial dos filmes; alguns até, podem ter existido. Mas não havia nenhum assim no vale do Salinas. Os bordéis eram calmos, ordenados e discretos. E, na verdade, se depois de terem escutado os gritos de êxtase dos fiéis, pontuados pelos acordes dos harmónios, ouvissem os murmúrios que saíam duma casa de prostituição, era natural que confundissem as identidades dos dois ministérios. O bordel era tolerado, mas não reconhecido."

John Steinbeck (A Leste do Paraíso)

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