terça-feira, 10 de março de 2015

Pela água e pelo ar com Buster Keaton

Mais perturbador no cinema de Buster Keaton do que fabricar a comédia com os olhos tristonhos são alguns twists finais de uma tal brutalidade dramática que o espectador até se sente culpado, retroactivamente, de ter estado para ali a arreganhar os dentes de contentamento. Recentemente fiquei com dois na cabeça. 

O primeiro é o olhar de desalento total do barbudo Keaton no último plano do último filme mudo que realizou, Love Nest (1932). A ideia era esquecer a amada e partir de coração quebrado pelo mundo num barquinho, o Cupid. Entre pescas de baleia e tiros de ensaios militares da marinha já tínhamos ficado entre o acre e o doce quando após o plano em que ele vai pelos ares tudo não tinha passado de um sonho e o vemos a dormir no interior do seu estaminé muito confortável. Logo a seguir não há água, nem comida (nem amor, não há nada) e quando desesperado para morrer se prostra a um dos lados do barco, mão dentro de água, vê uma mulher que passa por ele a nadar que se presume ser a sua amada. Quando há uma réstia de esperança, eis que vemos que o barco nunca saiu do sítio pois ele esqueceu-se de o desamarrar... O olhar de desalento vale incontáveis palavras, sobretudo porque nem sabemos muito bem o que iria fazer ele se o barco estivesse solto. Ter com ela, novamente?



O segundo não é tão ambíguo. É o célebre gag final de The Baloonatic do mesmo ano. Todo o filme é uma batalha para o domínio dos elementos do ar do balão à água dos barcos e, ao mesmo tempo, para impressionar a rapariga que passa por ele com desdém à porta do House of Trouble, espaço de casa do terror sem terror. No final ele leva-a a entrar num barco que tinha construído. Ele toca para ela, conquistador. Segue-se um plano de uma cascata e o perigo é que eles nela possam vir a cair pois a corrente não é sensível aos amores e humores. No momento em que estão prestes a cair, em plano aberto, o barco voa em milagre da natureza por sobre a cascata. Plano apertado e ela olha com um ar incrédulo. Como foi aquilo possível? E Keaton aponta para cima. A seguir o cineasta explica que isso do cinema e isso do fora de campo são mesmo coisa de milagres. O barco está atado ao balão da primeira parte do filme e por isso levita. Este plano anterior em que ainda não sabemos nada é maravilhoso não só pelo graça e imaginação da solução visual mas sobretudo porque mostra como o fora de campo pode ser um lugar que, além de esconder, pode revelar o para cima e para baixo como um atitude dos elementos (para baixo a água, para cima o ar) e que estes escondem a hipótese da elevação e a da queda moral. Cinema elevado e com elevação é certamente esta curta de Keaton.





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