segunda-feira, 16 de março de 2015

O que pode o amor

Ainda nem há meia dúzia de meses tinha ficado meio a suspirar pelos cantos com a integridade e a paciência da Sylvia Sidney para com o mais-álcool-do-que-talento de Fredric March  naquela marcha feliz para o inferno, Merrily We Go To Hell quando apanho uma cópia mázinha da Costa do Castelo de Christopher Strong, o filme que a realizadora Dorothy Arzner fez a seguir. Desta vez morre-se de saudades da Katharine Hepburn, cara de durona, aventureira piloto de aviões que aos vinte e poucos nunca tinha conhecido o amor. A coragem vence tudo até o amor mas ela começava a duvidar quando se apaixonou por quem não se podia apaixonar. Até o nome dizia tudo Christopher Strong, uma raridade, um homem forte, casado há dezenas de anos sem tentação de trair a mulher. Quando a mulher que não ama e o homem que não trai se encontram Arzner não pára de filmar o amor enfim e a traição enfim (comedida, que os anos trinta não estão para muito abuso).

Quando lá mais para a frente, Strong sabe que a sua filha lhe vai dar um neto, Hepburn não tem coragem de lhe dizer que além de ser avó, vai ser pai. Filme entre o que tem de ser e o que podia ser, não há outro remédio senão o trágico suicídio. Nos ares, com o ponteiro da altitude a subir, Hepburn chega-se ao cimo do céu, quase às estrelas, e mostra que a coragem devora o amor. No seu caso, o primeiro amor e também o último.

Desta vez a tradução portuguesa, "O Que Faz o Amor" até tem algum sentido: o amor fez a tragédia e o meu amor por este pequeno filme fica aqui insólito, a pairar, não se sabendo onde poisará.

Um plano, o das mãos de Hepburn depois dele lhe prometer que nunca a impedirá de fazer nada para que ela não fique infeliz. Mas logo a seguir a mão dela surge sobre o relógio da cabeceira e ela, que nunca gostou de jóias, está algemada. "Que anel é esse?". O nosso brasão: virtus mortem vincit. A coragem vence a morte. Mas não o amor, diz Hepburn. E ele pede-lhe que desista de voar, por ele. E ela, com aquela voz tão doce que nunca um mortal pode esquecer, pois é essa a voz de quem ama pela primeira vez, diz-lhe que sim.

Dei-me agora contas que para ela falei de Hepburn e para ele da personagem, Christopher Strong. Troque-se agora por um só momento para fazer a devida justiça a um belo actor, Colin Clive, e para mostrar que o nosso amor é também por Cynthia Darrington, Lady Cynthia Darrrington que não podia morrer sem conhecer primeiro o amor. Nós assistimos a esse pequeno e fugaz milagre que pena faz de ser tão breve. Mas afinal há coisas que por serem únicas são mais fortes e fazem mais sentido. É o caso deste filme.
 
 

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