quinta-feira, 4 de julho de 2019

Terra de Hiroatsu Suzuki e Rossana Torres


Mais de dez anos após Cordão Verde (2009), a sua estreia na realização, a dupla Hiroatsu Suzuki e Rossana Torres volta ao Vale do Guadiana, concelho de Mértola, para filmar. Desta vez uma hora de duração e no centro da maioria dos seus planos dois fornos cobertos de terra, junto a um lago, fumegando, produzindo artesanalmente carvão a partir de madeira. Contudo, este não é um filme didáctico sobre os procedimentos dessa actividade. Aliás, a recusa de planos muito aproximados, de detalhe, e o privilégio de composições mais afastadas e gerais (há quem veja nessa escolha algo de fordiano – com o interior dos fornos a corresponder ao abrigo da “casa”, face ao espaço aberto do monument valley) afasta essa hipótese. Em vez disso, Terra (2018) procura um outro “grande plano”, que é como quem diz, a interacção do homem com o fazer da natureza (a luz a mudar, as sombras, os estados da terra, as formas do fumo e do céu). Como se para filmar de perto a natureza e a integração do homem nela (e não este como o centro da physis) o grande plano correspondesse ao plano geral.

E nessa escala Hiroatsu e Rossana procuram a criação de quadros atmosféricos e telúricos em movimento, nos quais se dão a ver as micro-perturbações do espaço pelo escoamento langoroso no tempo. O filme habita esses micro choques entre o visível e o audível: uma matilha de cães que surge muito ao longe já depois de ser anunciada pelo seu ladrar, um grupo de aves migratórias que rasga o crepúsculo, uma labareda tímida que surge no meio do fumo misterioso; resgatando assim o espectador do seu habitual entorpecimento, da sua visão toldada por uma certo verbalismo e narrativização causal – o espectador testemunha de um dado evento produtivo – e obrigando a tornar-se, por momentos, nessoutro espectador observador de uma progressiva e gradual transformação. No fundo, resgatando uma certa vitalidade primordial do cinema e suas matérias-primas (a mudança da luz, da cor, da acção nos espaços, mas também o tempo do olhar, do sentir, do pensar) para um tempo de observação do outro. O outro que não é necessariamente o humano, que pode bem ser a água, o fogo, o fumo, os pássaros, os fornos em combustão. Ou essa imagem recorrente, do fumo saindo dos fornos como uma Terra, pachorrenta, fumando.

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