Raccords do Algoritmo #2: Do Irão com amor
"A poetisa entra neste espaço e filmará as aulas dos meninos deformados, as orações daqueles que, já sem mãos, as levantam a Deus; os momentos de brincadeira de meninos de pele envelhecida; ou as mulheres que disfarçam os traços da doença e se pintam para a festa. Mas filmará também o cuidar, pois é essa uma das maravilhas deste filme. A lepra, não como uma “casa negra” na qual ninguém se atreve a entrar e da qual todos se afastam, mas sim como uma doença cujo tratamento e atenção permitem a cura ou minimização do sofrimento. Conta-se que Forugh, antes de morrer precocemente num desastre de automóvel aos 32 anos, terá adoptado uma das crianças que podemos ver no filme, levando esse cuidar das imagens à vida real. Mas talvez o derradeiro acto de redenção de Khaneh siah ast seja que a fealdade destas pessoas, longe de ser espectacularizada pela autora, é colocada numa obra de uma qualidade cinematográfica ímpar. (...) E é nesta alternância entre o facto e a poesia, entre o documental e a encenação, juntamente com uma montagem muito atenta ao movimento sugestivo dos detalhes e dos ruídos, que vamos entrando nesta casa. Casa e sequências de sala de aula essas, que Kiarostami voltaria a filmar mas de uma forma solar. Como se tivesse olhado a escuridão ao espelho e tivesse virado do avesso a tristeza, a oração e o lamento. Encarar de frente esta obra-prima de Forugh Farrokhzad é receber uma lição de humildade ainda hoje com o mesmo poder: o de olhar para cuidar.
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