Apesar do esforço das escolhas, no final de contas, o padrão acumulador acaba por transformar tudo em perigosa aleatoriedade. Num muito recomendável livrinho editado o ano passado pela Documenta, E Se Parássemos de Sobreviver? Pequeno Livro Para Pensar e Agir Contra a Ditadura do Tempo, o seu autor André Barata, aflora esta questão. O tempo visto a partir de um padrão de acumulação e “industrialização de acontecimentos”. Um esforço, como nota o autor, por fazer acontecer mais, a partir de um tempo “contínuo e sem falhas”, “acelerado” e “medida de produtividade”.
E se eu vos disser que a lista acima provinha de um tempo de repouso, aquilo que, cada vez mais por conveniência, chamamos férias? Férias que não se confundem com turismo, mas sim com a cansativa procura de um espaço/tempo para estar descansado. Isto é, tentar exportar o nosso corpo e mente para um outro tempo que destrua os automatismos desta montagem sem fim, de perpetuação de um presente que adiciona sem parar. Procurar recuperar a experiência da passagem do tempo marcada por aquilo que nos acontece, para usar a expressão de André Barata, em vez do inverso, no qual o tempo medido dita duramente como viver e o ritmo do consumo das experiências. O que me faz lembrar a resposta de um senhor em Marrocos, há uns anos, quando lhe perguntei se sabia a que horas é que uma dada loja, fechada, iria abrir na manhã seguinte: “abre quando o dono chegar”.
Volto ao velho tambor da máquina de lavar e às férias. Num café de Peniche, numa dessas manhãs de sábado, começo a Sibila. Quase no início, leio Isidra despachando um seu pretendente: “Versos? Meta-os pelo rabinho acima…”. Sorrio com a invectiva, de olhar absorto, e os avós da mesa ao lado, perante a sistemática e ruidosa destruição da mesa de refeição pelo seu netinho querido, sorriem de volta, achando-me solidário com a sua impotência para fazer parar o pequeno diabrete. Havia um tempo em que ficaria chateado por não ter sossego para ler no café. Hoje limito-me a ler, preservando, o mistério do que acontece.
ai!
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