sexta-feira, 28 de setembro de 2018

The Wrong Man


The Wrong Man era um daqueles Hitchcocks que tinha visto há muito e do qual conservava apenas uma boa, mas muito abstracta, impressão. Revisto agora continuo a achar que faz uma boa parelha com I Confess feito três anos antes. Quanto mais não seja pelos seus protagonistas, o padre Michael Logan e o músico Manny Balestrero, ambos apanhados nas teias hitchcokianas urdidas de um peso, de uma culpa, e ambos silenciosos, serenos, esperançosos por uma Justiça que chegue e reponha a ordem normal dos acontecimentos.  O Bénard, aliás, falava nessa questão da espera como algo que opunha a personagem de Vera Miles à de Henry Fonda. Enquanto, a primeira havia sido transtornada fatalmente pelos incidentes que levaram à incriminação por um conjunto de testemunhas do seu inocente marido, este não havia verdadeiramente mudado apesar de tudo que lhe havia sucedido. Ela havia dado entrada numa prisão definitiva, ele espera da prisão literal sair rapidamente. Um pouco como a inabalável fé de Abraão, como bem viu em "Terror e Tremor" Søren Kierkegaard. Em todo o seu calvário nós ficamos com a inabalável certeza de que o Bem - neste caso, o achamento do verdadeiro culpado - surgirá mais tarde ou mais cedo. 

Mas tudo é muito irónico. Creio que foi no livro das entrevistas ao Truffaut que Hitchcock confessa que, apesar do filme terminar com a informação no ecrã de que a mulher de Balestrero havia recuperado a sanidade mental e saído do sanatório onde a dada altura é internada, tudo tinha sido para forjar um final feliz. Esse Bem de que falava. "Se calhar ainda hoje lá está", referia Hitch. Ou seja, se no cinema a fé inabalável move montanhas e rolos de película, na realidade não é bem assim. Esse era aliás a "pasmaceira" maior deste filme, segundo Hitchocock, que, habituado a ser o operário-cineasta-demiurgo de um mundo de emoções, de montanhas russas de tensão, de crescendos milimétricos e orgásmicos clímaxes thrillescos, se via aqui a braços com a chatice de ter de ser fiel a um caso verídico de uma falso culpado, de um caso de identidades trocadas. E isso vê-se bem no filme, todos os procedimentos policiais levados a cabo em pormenor, as cenas/planos em que Fonda só tem de caminhar, olhar, deixar a impressão digital denunciam essa "rigidez" que é tudo menos o toque de uma velha e bela Hitchcockery. 

Termino com uma curiosidade. Colecciono avidamente, laboriosamente, os raccords entre os ditos factos verídicos e o mundo da ficção. Essa obsessão fez-me pensar que o "olhar honesto" de Fonda poderia ter algum tipo de vestígio correspondente na sua biografia. Fui ler e encontrei uma coisa completamente diferente, outra coincidência neste filme, creio que se pode dizer assim, de "tentativa neo-realista" de Hitchcock. Em 1950, portanto seis anos antes deste The Wrong Man, a mãe de Jane e Peter Fonda, Frances Seymour Brokwaw, casada com Henry, suicidara-se devido a um colapso nervoso, aquando da estadia no Hospital Psiquiátrico de Austen Riggs. Agora vão lá ver as cenas entre Fonda e Miles, em que esta enlouquece e é colocada em "some place", como se diz no Psycho, para perceber a força, a ironia, a tragédia disto tudo. Talvez nunca Hitchcock tenha estado tão próximo do real e isso deixou-o imóvel, confuso, sem saber o que fazer. O filme, esse, ainda hoje irradia o seu estranho poder.

1 comentário:

  1. Obrigada pela sugestão... Vou procurar ver com olhar mais esclarecido. :)

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