sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Revenge (Vendeta, 2018) de Coralie Fargeat


Tal como recorrente no subgénero rape and revenge, a primeira longa de Coralie Fargeat não foge à bipartição entre um primeiro momento em que a vítima é violentada e a segunda metade na qual, após inesperada sobrevivência, a mesma leva a cabo ferozes actos de vingança, reunindo em si forças que não sabia sequer possuir. Um pouco como o golo-estocada que o mensageiro-Éder cozinhou a partir das suas entranhas, atingindo fatalmente o "inimigo". Exemplos, uns mais outros menos, puxados à área do terror pelo extremo da vingança: Day of the Woman (Mulher Violada, 1978) de Meir Zarchi, The Last House on the Left (1972) de Wes Craven [aqui, uma das personagens vingava-se do seu agressor arrancando-lhe a pila à dentada], Straw Dogs (Cães de Palha,1971) de Sam Peckinpah ou mais recentemente Kill Bill (2003-2004) de Quentin Tarantino, ou Oldeuboi (Oldboy - Velho Amigo, 2003) de Chan-wook Park. A lista, percebem, é interminável.

Mas então o que haverá de interessante por aqui, nesta revisitação, no qual um bonzão (Kevin Janssens) leva a sua amante boazona (Matilda Anna Ingrid Lutz) para uns dias de um suposto fim-de-semana com os amigos, para uma caçada no meio do deserto? Bom, duas ou três coisas se podem apontar. Em primeiro lugar, que se trate de um dos primeiros revenge flicks, ainda para mais com uma mulher ao leme, feitos após os movimentos #MeToo e toda a vaga de escândalos de agressão sexual. Embora Coralie não nos queira esfregar isso na cara, o espectador não pode deixar de pensar nessa inevitável contaminação cultural, neste Revenge (Vendeta, 2018) como um certo espaço de empoderamento feminino. Sobretudo penso nisso na cena final, um verdadeiro merry-go-round no interior de um impecável apartamento, uma literal caça ao homem (nu), carrossel pintado de sangue.

Outro pormenor interessante tem precisamente a ver com os interiores (que ocupam sobretudo a primeira parte do filme e esta última): tudo é impecável, a televisão a debitar publicidades, o sofá de pele, o quadro da parede, a mobília do quarto. Onde quero chegar é que o filme de Coralie Fargeat creio que pretende fazer essa oposição entre um mundo materialmente "perfeito" e um mundo espiritualmente defeituoso (ela é a amante, o violador não sabe lidar com a rejeição, o terceiro é sempre um espectador sem coragem, etc). Em terceiro lugar, há espaço para um certo humor, sobretudo quando a pobre deixada para morrer se converte numa espécie de Amazona-Tomb Raider que vai dar uma de Rambo, retirando com facas e alucinogénos um pedaço de madeira da sua barriguinha. Finalmente, são os detalhes: o slow motion do gordo a comer o chocolate, as pingas de sangue a cair como bombas junto das formigas no deserto, as cores pop — o vermelho sangue, claro, mas também o azul do céu, o rosa do batom e da roupa de Matilda — em oposição com o mundo Mad Max, apocalíptico, da poeira e da areia. Por tudo isto, Revenge dispõe bem, apesar disso ser um contra-senso. Mas quem não aprecia um bom sorriso sádico, desde que no conforto de seu lar? Atire a primeira pedra, vá.

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